A Praça de Toiros de Abiul, abriu pela primeira vez nesta temporada, as suas portas, dando início àquela que é a sua feira taurina, inserida nas centenárias festas do bodo, que são local de culto e convívio dos residentes locais e de todos os emigrantes da zona. Por esse motivo, a panóplia de idiomas falados aqui e ali é gigante e sendo a festa de toiros, uma festa inclusiva e que recebe tão bem todos aqueles que nos visitam e regressam às suas origens, deveremos começar por lhes agradecer, por manterem viva a paixão por este espetáculo que está tao enraizado na nossa cultura e que se dirigiram a este recinto de espetáculos e preencheram três quartos fortíssimos da sua lotação.
Em segundo plano há que agradecer, sem excepção a todos os artistas que participaram no espetáculo, pois com maior ou menor destaque (e já lá iremos) contribuíram para que esta fosse das mais completas noites de toiros a que assisti nas últimas temporadas.
Em terceiro e sem lhe tirar qualquer importância, agradecer ao cornetim José Henriques pela sua bonita trajetória, ele que é tão acarinhado e foi, esta noite, homenageado pela Sociedade Filarmónica Progresso e Labor Samouquense com a oferta de um pasodoble com o seu nome, que foi exemplarmente interpretado durante as cortesias e que tem uma harmonia musical notável.
Falando das lides equestres da noite, começar obviamente por atribuir um triunfo repartido a Miguel Moura e Duarte Fernandes. Sou dos que defendo que o triunfo (numa corrida de três cavaleiros) apenas deverá surgir aquando de uma clara superiorização em ambas as lides e, esta noite, é para mim inegável que isso sucedeu.
Miguel Moura iniciou função com uma sorte de gaiola a um toiro com excesso de peso que saiu pelo seu caminho e não fosse ter-se ido abaixo das mãos no momento do ferro, teria conseguido uma repercussão mais evidente. A brega a duas pistas que exibiu roçou o luxo, embebendo, sempre que conseguiu, a rês na garupa da sua montada. O primeiro curto foi de nota acima da média, seguindo-se outros dois onde não baixou o nível. Fechou de maneira magistral, ao cravar duas rosas, a primeira após abordar a rês de forma frontal, como se encontra plasmado nos mananciais da tauromaquia portuguesa e o segundo entre tábuas após vistosos ladeios. Frente ao quinto da ordem, um animal de menor potabilidade, quer por falta de força, quer por falta de transmissão, teve de ser o ginente de Monforte a colocar “a carne no assador”, sendo bastante inteligente nos tempos utilizados para descansar o astado e de seguida o trazer, como tanto gosta, ladeando e manejando a seu belo prazer. O momento da cravagem de toda a série de curtos foi íntegro, dado o cingimento que conseguiu imprimir, fazendo parecer fácil o seu labor. Fechou com dois palmitos, o primeiro dos quais, em terrenos de compromisso, de boa nota.
“A vitória não faz do vencedor um conquistador, mas do Homem um guerreiro”. É a citação que utilizarei para metaforizar aquela que foi a noite do cavaleiro praticante Duarte Fernandes. Foi um guerreiro, acima de qualquer conquista ou vitória. Este Homem de que falo, não se deixou abater pelos obstáculos que encontrou, quer seja uma passagem em falso, ou um forte toque na montada contra tábuas e foi à ‘guerra’. O primeiro do seu lote, saiu a apalpar e sem franqueza de investida, o que acarreta dificuldades para quem o tem de lidar. Após um início de maior desacerto, elevou a sua atuação para níveis de soberania, aquando da cravagem da primeira bandarilha curta. Atacou o toiro de poder a poder, bateu de forma acentuada nos terrenos do animal, cravando de forma cingida, en su sítio. Seguiram-se outros três ferros, cuja preparação, momento da reunião e colocação foram de tal forma bons, que deixaram o público completamente boquiaberto com o que via, ovacionando com emoção. Frente ao último da noite, a história voltou a repetir-se, numa lide em crescendo exponencial, que culminou com uma série de quatro bandarilhas de excelente nota, duas com quiebros acentuados e as restantes bem cravadas ao estribo como ditam as regras de bem tourear a cavalo.
Falta escrever sobre Marcos Bastinhas. Iniciou de forma bastante positiva, recebendo à porta dos currais o alegre Charrua, colorado de capa, e que perseguiu a montada com afinco, dobrando-se com a sua montada num palmo de terreno nos tércios do ruedo. Esteve possante e lidador o cavaleiro de Elvas, bregando com muita qualidade e agarrando o público desde o primeiro momento, aproveitando as boas capacidades que o oponente possuía. Preparou as sortes de forma conveniente, cravou duas bandarilhas curtas de qualidade, havendo um declínio comportamental da rês, que levou a que Marcos optasse de forma sagaz por terminar a sua atuação com o público a ovacionar, após deixar um ferro em sorte de violino e dois palmitos de forma sequencial. Na lide do segundo de seu lote, diria que o fio condutor não foi almejado. A série de compridos ficou manchada com duas passagens em falso que tiraram o público da atuação, nunca conseguindo, posteriormente, convencê-lo. Tem duas bandarilhas curtas, com ligeiras batidas na cara do oponente de valor, seguindo-se uma tentativa de salvação com dois pares (e meio) de bandarilhas já com a rês parada e sem reagir ao momento da cravagem. O cavaleiro pretendia ainda colocar um quarto par, não tendo sido essa intenção bem vista entre quem paga bilhete, ouvindo-se assobios, e até pedidos para que o toureiro abandonasse a arena, o que veio a suceder.
No que às pegas diz respeito, pela formação escalabitana avançaram na linha da frente Francisco Cabaço que efetivou no intento inicial, após uma reunião mais eficaz que ortodoxa e António Queiroz e Melo e Afonso Serrano, ambos à segunda tentativa, corrigindo pormenores menos conseguidos nas tentativas iniciais. Pelo grupo que viajou desde a Califórnia e a quem coube pegar os três mais pesados do festejo, tentaram as pegas de caras os forcados George Martins Jr e Joe Pereira, efetivando à primeira tentativa e Fábio Vieira que apenas conseguir consumar na quarta ocasião em que ‘bateu as palmas’ ao toiro.
O curro que viajou desde Évora até ao concelho de Pombal, com ferro da ganadaria de António Charrua estava bem apresentado, nalguns casos, até com peso em excesso. Apresentou mobilidade e beneficiou o espetáculo que teve, como foi referido, diversos motivos de interesse e atuações de grande nível.
A corrida foi dirigida pela delegada técnica tauromáquica Sandra Strecht, assessorada pelo Dr. José Luís Cruz.