A canção “Catavento da Sé”, com letra de Miguel Araújo e interpretação de António Zambujo dará o mote àquela que é esta crónica. A experiência de a ouvir, enquanto lê este escrito poderá ser uma interessante experiência imersiva.
Tal como a Rosa foi para a cidade e a Maria foi ver o mar, muitos aficionados decidiram dirigir-se às praças de toiros de Coruche e do Sítio da Nazaré para assistir a outros festejos que terão encarado como mais interessantes. Dir-me-ão: mas não são necessários festejos onde se dá oportunidades a toureiros menos vistos?
Há que perceber que a tauromaquia portuguesa chegou a um ponto de viciamento tal, que é dificil retroceder, urgindo a criação de condições que motivem os aficionados e que não permitam que se desliguem desta tão nobre tradição. Porque tal como a Dona Amélia que morreu e o Amadeu que desanimou, qualquer dia o público que, nesta noite, preencheu cerca de meia casa forte do albero arrudense, decide ir ‘ver o céu’, benzer-se com o chapéu e voar.
Ana Batista teve por diante um Castro distraído, que não se empregou e que se adiantava no momento da reunião. Na fase inicial da lide, o entendimento do oponente e as distâncias impostas no momento da cravagem não foram ideais, perdendo-se a oportunidade de redondear uma atuação, que acabou por vir a mais, com a preparação e a colocação da terceira e quarta curtas da série, que motivaram (e bem) a concessão de música por parte da inteligência.
O segundo toiro da corrida teve lide destinada a Parreirita Cigano. A rês com ferro de José Luis Cochicho não transmitiu, desvanecendo alguns pormenores positivos que há a registar. Entre uma passagem em falso e um cite mais atravessado, tem como ponto a melhorar a velocidade que imprime no desenho da sorte, que poderá ser personificado, como “o gato que fugiu da fome” e onde mostra querer resolver, a todo o custo (nem sempre dá bom resultado). O ginete do Cartaxo tem qualidade e pode fazer melhor, destacando-se pela positiva, o momento da cravagem da segunda e terceira bandarilha curta, que resultou cingido e se tem de considerar de boa nota.
David Gomes teve a missão de dar faena a um burraco com ferro de Fernandes de Castro, que se deixou, servindo às intenções que o toureiro trazia. Olhando de forma generalizada, vejo uma procura em tentar fazer um “cover”, daquele que é o fio condutor de Bastinhas. Se é aceitável? Sim. Se resulta da mesma forma? Diria que não. Recebeu o toiro com mérito, numa sorte de gaiola, colocando a nu a garra e o compromisso que trazia. Na fase inicial da série de curtos o acoplamento com o astado não foi o melhor, conseguindo-o na cravagem do terceiro da série. Fechou com um violino, seguido de um palmo, em sorte cambiada, encerrando a atuação com um par de bandarilhas de boa nota. O facto de se apear da montada, sinceramente, começa a ser um gesto corriqueiro, na busca incessante de aplausos por parte de quem paga bilhete, que vai enjoar a breve trecho.
Após uma homenagem à Santa Casa da Misericórdia local pela comemoração do seu 450° aniversário, saiu ao ruedo a cavaleira almeirinense, Mara Pimenta. O toiro de Cochicho que teve por diante, não transmitiu e procurou refúgio nas tábuas, recorrentemente. A dificuldade era acrescida, todavia por entre obstáculos criados, cravou aquele que considero como ferro da noite. Aguentou a investida extemporânea do animal, cravando de forma cingida, como permanece descrito nos livros, ouvindo-se, nesse momento e de forma justa, os acordes da banda. Destaque ainda para a forma desenvolta como deixou a quinta bandarilha curta, numa atuação onde se mesclaram momentos de maior e outros de menor discernimento.
Diogo Oliveira enfrentou um colorado com ferro de Cochicho, que mal saiu dos currais, mostrou ao que vinha. Fechou-se em tábuas desde o primeiro comprido e não mais de lá saiu. O cavaleiro praticante fez de tudo para conseguir superar o desafio, deixando dois curtos a sesgo de nota relevante. Com o avançar do cronómetro, o astado foi-se rachando cada vez mais, desluzindo por completo as intenções trazidas pelo artista.
Completava o cartel, a cavaleira praticante Mariana Avó. Persegue, com toda a legitimidade, o sonho de ser toureira, tem boas intenções, terá de melhorar significativamente para almejar atingir o estrelato. Lidou um Castro volumoso, que não lhe facilitou a função e por esse motivo, dada a falta de rodagem, há que elogiar e perdoar algumas das falhas que são, facilmente, notadas. O momento da reunião e a colocação das bandarilhas deverão ser o seu principal foco nesta fase, havendo depois tempo para evoluir na brega e na preparação das sortes.
No que diz respeito às pegas da noite, não surgiram complicações de maior. Pelos amadores do Ribatejo, quer Dário Silva, quer Ricardo Jorge resolveram na tentativa inicial. O grupo de Arruda dos Vinhos indicou para tentar pegar os astados que lhes coube os forcados Rodrigo Gonçalves e Francisco Leonardo (que se estreara esta noite nas arenas), efetivando, respetivamente, ao segundo e primeiro intentos. Pelo grupo de maior antiguidade que neste caso, era o de Cartaxo, avançaram na linha da frente Manuel Silva e José Ribeiro. Consumaram à terceira e primeira tentativas. Destacar a atitude do cabo dos amadores do Cartaxo, a elevar a exigência, não permitindo a volta de agradecimentos ao forcado que considerou não ter mérito para tal. É assim que se promove o critério, é assim que se educam aficionados, é assim que podemos dar o passo em frente.
A corrida foi dirigida com critério pelo delegado técnico tauromáquico Tiago Tavares, assessorado pelo Dr. Jorge Moreira da Silva.
Empresários, toureiros, forcados, campinos, delegados, críticos e demais aficionados, ao longe de qualquer praça vemos o catavento de uma sé. O galo, neste momento, gira ao sabor do vento, que vai virando com a maré. Gira pelo seu próprio pé e nós contra o tempo teremos de nos unir, refletir e discutir, de forma positiva, a melhor maneira de impedir que o “cruise control” instalado, assim permaneça. Caso contrário, sujeitamo-nos a um dia não ser possível voltar e ficamos todos à janela, a ver passar.