Não são 10, não são 20, nem sequer 30. Faz hoje 40 anos, que o outrora jovem Rui Salvador tirara alternativa na Praça de Toiros do Campo Pequeno, tendo como padrinho, o saudoso José Mestre Batista e como testemunha, o prodígio João Moura, numa afamada corrida da Rádio, onde se lidavam astados da ganadaria espanhola de João Moura, sendo nessa noite acompanhado por José Tinoca e Manuel Barreto. O menino cresceu e tornou-se figura, sendo nos dias que correm dos mais respeitados do panorama taurino nacional. Acompanhado durante largas temporadas pelo seu pai, José Salvador pelo seu apoderado, José Carlos Amorim (que me desculpem a ousadia, é dos homens mais honestos que andam na Festa de Toiros) e por todos aqueles que ao longo dos anos o auxiliaram, o cavaleiro radicado na Quinta do Falcão em Tomar, foi esta noite, na menina dos seus olhos, homenageado pelo bonito, meritório e acima de tudo marcante trajeto que traçou ao longo destas quatro décadas. Despede-se, acompanhado pela sua quadrilha mais recente, composta por João Pedro Silva “Açoriano” e Paulo Sérgio, dos seus conterrâneos o “cavaleiro dos ferros impossíveis”, como de forma justa foi intitulado, pela ousadia que metia em cada sorte, na cravagem de cada ferro, opondo-se de alma e coração ao toiro e cravando ao estribo bandarilhas marcantes em tantas tardes e noites, nos alberos do nosso país, França, EUA e Macau.
A corrida propriamente dita deverá, esta noite, ser analisada em duas vertentes, artística e emocional. Se esta noite o peso deverá cair na arte ou na emoção? O destaque a meu ver, hoje, terá de cair naquela que considero ser a parte mais fácil. A noite foi bonita e só podia ser! Rui Salvador emocionou-se, foi bastante acarinhado pelo público que compôs três quartos fortissimos da lotação do recinto, foi agraciado por diversas entidades (desde autarquias, a associações, passando também pelas tertúlias), teve oportunidade de ouvir um bonito discurso sobre toda a sua carreira, bem como os parabéns, interpretados pela Sociedade Banda Republicana Marcial Nabantina, que também hoje fora homenageada pela comemoração do seu 150° aniversário. Foi ainda descerrada uma placa evocativa de tão importante efeméride no átrio principal da praça de toiros que tem o nome de seu pai.
No que toca à componente artística a noite foi medíocre e foram vários os fatores que contribuíram para um estado de espírito que foi decaindo com o passar do tempo (a corrida durou cerca de 4 horas) e chegou mesmo a ser deprimente.
Rui Salvador teve duas lides distintas. No primeiro da noite desenvolveu uma atuação consistente que apenas pecou pela distância com que lidou a rês. O toiro necessitava de um toureio de maior proximidade para vir a mais e nem sempre sucedeu. Ainda assim nota para uma boa brega, uma boa colocação do oponente para concretizar de seguida a cravagem com elegância e eficácia. Frente ao quarto da noite, um manso encastado da ganadaria titular da noite, que em diversos momentos mostrou alguma malícia comportamental, fez com que a lide fosse abaixo das expetativas, cumprindo-se a função de forma mais aliviada e acima de tudo com a raça que o cavaleiro de Tomar foi exibindo ao longo dos anos, quando as coisas não lhe corriam de feição.
A João Moura Jr tocou-lhe em sorte o melhor lote e superou o desafio! No segundo saído ao ruedo que para mim foi um toiro de mão cheia, com mobilidade, codícia e que apertava na medida certa, o ginete de Monforte desenvolveu uma lide de qualidade, bregando a duas pistas como tanto gosta e variando no tipo de sorte. Ora em curto em terrenos de dentro, ora em sortes frontais, sempre bem rematadas. Na quinta lide da noite e com a noite a avançar, saiu à arena um toiro de apresentação irrepreensível e que denotou mobilidade, possibilitando uma faena competente e de bom gosto. O momento da reunião foi exímio, quer no que respeita ao sítio como à colocação da ferragem.
Marcos Bastinhas teve uma noite intermitente na cidade do Nabão. Frente ao primeiro, exigente e que pedia as credenciais, entre algumas passagens em falso e toques na montada, deixou uma boa primeira bandarilha curta, cingida e de considerável execução. Depois de cravar mais dois curtos em que teve de pisar os terrenos da rês partiu para o último tércio onde como é habitual é um cavaleiro mais festivo, o que nesta fase se aceita dado que promove bom ambiente nas bancadas. Terminou com um ferro de palmo e um violino após consentir dois toques, o segundo mais forte, o que levou a que a montada ficasse com a pata traseira presa na córnea da rês, felizmente, sem consequências a registar. No último da noite, teve tarefa inglória dadas as dificuldades que o toiro da ganadaria alentejana imprimiu. Deixou a série de quatro curtos com compromisso, havendo a destacar o momento da reunião da primeira e terceira da série de nota relevante.
As pegas da noite estavam destinadas aos grupos de forcados amadores de Tomar e da Chamusca.
No que respeita ao grupo local, instituição pela qual nutro o maior respeito e sobre a qual me custa escrever (ainda para mais quando há pouco de bom a registar) há a averbar uma mancha negra na história da formação. Mancha negra que não é causada por deixarem ir um “toiro vivo” para os currais, que não é causada por terem pegado dois astados à terceira tentativa. Antes de se preocuparem em justificar com uma alegada dificuldade criada pelas reses, já pararam para refletir e pensar que a culpa, nalgumas situações, pode estar do “nosso” lado? É triste que se tente empurrar os problemas existentes (e sim existem vários!) com a barriga. Lamento informar, mas um cabo, num momento de aperto e de fim de linha tem de assumir, não pode enviar para a cernelha um elemento lesionado! Lamento, mas se não tem condições para ir lá dentro, terá de abdicar e dar o lugar a outro! E sabem porquê? Porque assim, acabam com o grupo de certeza! Não há forma de aguentar com um grupo onde não existe liderança, onde toda a gente manda, onde ninguém sabe o que está a fazer, onde as ajudas deixam passar “tudo e mais um par de cornos” (vulgo, touro). Não pode ser! É com uma grande tristeza (acreditem!) que hoje vos escrevo. Reúnam, metam mãos à obra e está na hora de mudar! Tal como foi para entrar, também terá de ser para sair. E Paulo, acredite no que lhe digo, não o conheço nem tenho nada que me mova contra si, apenas pretendo que pense e reflita na defesa da festa de toiros na cidade que me viu nascer e na defesa do grupo (que acredito também deva gostar) da minha terra, que vi ter grandes tardes e noites enquanto crescia e que, hoje, vejo à beira de um precipício. É hora de mudança drástica, já o era ontem! Coube a David Gonçalves e a Carlos Duarte efetivar as respetivas sortes.
No que respeita ao grupo aniversariante e que cumpria na Praça de Toiros da sua estreia as bodas de ouro também não se pode isentar de falhas e algumas de relevo. Frente ao último da noite, Miguel Santos efetiva a pega da noite, a única ao primeiro intento, consentindo viagem longa e intensa. João Narciso e Francisco Rocha consumaram à terceira e segunda tentativas, respetivamente, sendo notória uma falta de ajudas gritante em todas as tentativas de pega de caras. Há que fechar com vontade e raça para que este tipo de toiro que bate ao chegar às tábuas, não consiga “despejar” os moços de forcado e façam com que oito (na totalidade da corrida e de ambos os grupos) tenham de recolher à enfermaria. É possivel evitar, e teve de ser o cabo Nuno Marecos, numa demonstração altruísta e de liderança a dar o exemplo e oferecer uma enorme ajuda ao quarto da corrida, permitindo naquele momento a concretização da pega.
O curro de toiros da ganadaria Fontembro esteve exemplarmente apresentado, sendo díspar de comportamento. Destaque pela positiva para os dois primeiros e pela negativa para o quarto e sexto da ordem de lide.
A corrida foi dirigida pelo delegado técnico tauromáquico Ricardo Dias, assessorado pelo Dr. José Luís Cruz, numa noite difícil para a direção de corrida, onde nem sempre foi fácil digerir algumas atitudes de agentes da festa, que deverão pensar que quem paga bilhete, não pode e não quer assistir a certo tipo de comportamentos. Não vale tudo para se vencer na vida e consequentemente na tauromaquia, mas acreditem, valerá sempre tudo para defender a festa que tanto afirmamos gostar!