Abiul – A afirmação de Miguel Moura e Duarte Fernandes e um ferro tremendo que marcará a temporada de Rui Fernandes

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14 de Agosto é, nos dias que correm, data forte da temporada e da feira taurina das centenárias festas do bodo, na vila de Abiul. É dos tauródromos onde mais se sente a presença de emigrantes, que nesta altura do ano, não perdem a possibilidade de assistir a um dos espetáculos mais típicos do nosso país. O ambiente é de festa e diria pitoresco, quer dentro quer fora da praça, ouvindo-se aqui e ali uns piropos em tom de previsão do desenrolar do espetáculo, uns ensinamentos prévios aos mais novatos que nunca presenciaram um festejo deste cariz e até um senhor, já com a sua idade, que me confidenciou histórias de infância em que brincara neste recinto, e a quem, nesta noite, a nostalgia se apoderara de si (foi, de facto, bonito, ouvi-lo falar com o brilho nos seus olhos).

Rui Fernandes, que nesta temporada comemora o seu 25° aniversário de alternativa, abriu funções frente a um toiro que embora tenha possibilitado uma lide positiva ao cavaleiro da Charneca da Caparica, nem sempre se empregou. As primeiras bandarilhas curtas foram deixadas em sortes sesgadas, sendo que as outras duas que deixou nos médios foram pautadas pela regularidade, dado que o astado foi a menos e após a reunião saía solto para zonas de tábuas, não possibilitando qualquer remate das sortes. Após o equador do festejo, o toureiro iniciou lide de forma algo atribulada, após passar em falso por duas ocasiões antes de cravar o primeiro comprido, e sendo colhido após a cravagem da bandarilha, tendo a montada após se ter desequilibrado, conseguido, felizmente, reerguer-se, não resultando desta situação consequências de maior. E bem, meus senhores e minhas senhoras, o primeiro curto foi de escândalo e não se compreende que a direção de corrida não tenha atribuído música de imediato. Citou de largo, a rês arrancou e após ligeira batida já a curtas distâncias, tem uma reunião de tal forma perfeita, que nem uma mosca passaria entre o binómio toiro-cavalo. Será certamente um dos curtos da temporada! Depois de tamanha perfeição, ficava difícil fazer igual, quanto mais melhor. Ainda assim, lide muito superior à que inaugurou a noite, rematando as sortes com uma brega superior. O astado foi a menos, acabando refugiado em terrenos de dentro, sem grandes intenções de investida.

Miguel Moura mostrou, mais uma vez, o motivo pelo qual se refere que atravessa um grande momento. O astado da ganadaria titular desta noite, foi um manso perdido, que nada possibilitou ao ginete de Monforte, dada a sua apatia e pouca mobilidade, que nem o permitia reagir ao momento da ferragem. No entanto, e pese embora, não tenha conseguido rematar as sortes, deu-lhe a volta, deixando uma série de curtos eficaz e de boa colocação, terminada com dois palmitos de boa nota. Foi com uma sorte de gaiola, com reunião nos tércios, que o mais jovem de alternativa da família Moura iniciou a sua segunda passagem neste recinto. O ‘Passanha’ mostrou-se bastante desinteressado nos compridos, todavia, contrariando os seus irmãos de camada veio a mais. Aproveitando esta boa condição, Miguel desenvolveu uma brega com qualidade acima da média, levando o seu oponente embebido no galope lateral da sua montada, como se de um capote se tratasse, deixando o primeiro curto, de um valor inexcedível, no seguimento deste movimento, num palmo de terreno, apertadíssimo pelas tábuas. Outro grande momento da noite! Foi, sem margem para dúvidas um recital de classe e de bem tourear! É um gosto poder assistir a momentos tecnicamente perfeitos deste jovem que se encontra num claro momento de afirmação perante os demais colegas que semana a semana com ele competem. Fechou a sua aparição nesta vila do centro do país com uma rosa cravada bem en su sítio.

Completava o cartel o cavaleiro praticante, em Portugal, Duarte Fernandes. Recebeu a primeira rês do seu lote, dobrando-se num palmo de terreno, sentindo de imediato o carinho do público presente. O toiro foi efetivamente o melhor e mais bravo da primeira parte do espetáculo, colaborando e possibilitando ao artista uma lide destacada. O jovem toureiro baseou a sua série de curtos, em sortes com acentuadas batidas ao piton contrário, que quando resultam cingidas têm impacto. Foi o caso das segunda, terceira e quinta da ordem, que resultaram de excelente nota, com o astado a permitir que o ginete rematasse com mérito. Foi ovacionado com muita força à saída do redondel. A última lide equestre da noite, embora bastante sonora (o que se justifica com o facto da primeira ter sido de grande nível) não teve igual qualidade. O astado não permitiu a mesma concepção artística, resultando as reuniões consequentes das batidas menos cingidas. Os remates da ferragem, com piruetas na cara do oponente são sem margem para dúvidas do agrado deste público. Entendeu Duarte que os quiebros não resultaram em pleno, tendo tido o bom entendimento de corrigir no momento da reunião, vindo a sua atuação em crescendo a culminar com dois curtos deixados ao estribo e em sortes frontais, de qualidade. Afirmou-se esta noite como um dos mais destacados praticantes do escalafón nacional.

O curro que viajou desde a Herdade da Pina, em Alcáçovas, de encaste Murube-Urquijo e com ferro de Passanha estava bem apresentado sendo dissemelhante em comportamento. Destaque pela positiva para o terceiro da ordem, um toiro que se empregou durante toda a sua estadia na arena e para o quinto que veio de menos a mais e que acabou por permitir o sucesso dos artistas (motivando chamada do representante da ganadaria, Diogo Passanha, a dar volta ao ruedo para recolher os aplausos do conclave). Pela negativa salienta-se de forma evidente o segundo a sair ao ruedo, um manso perdido, do qual não se recorda nada de bom.

A forcadagem nacional esteve representada neste festejo por dois grupos de forcados amadores: Lisboa e Coimbra.

Pela formação que se deslocou desde a capital foram eleitos os forcados: Martim Marques que efetuou uma pega rija e de muito valor com uma viagem atribulada, sempre por baixo, suportando vários derrotes (tendo infelizmente após a saída da cara do toiro caído na arena, havendo várias investidas sobre si, que o fizeram recolher de forma bastante aparatosa à enfermaria); João Varandas que citou com torería e fechou-se ‘com unhas e dentes’, tendo o grupo concretizado nos médios e Daniel Batalha ao primeiro intento numa execução tecnicamente perfeita.

Noite de maior dureza e menor felicidade para a formação conimbricense onde avançaram para tentar as pegas de caras os forcados: João Cavaleiro que consumou ao quinto intento, com as ajudas muito carregadas; André Macedo que efetivou à segunda tentativa após ter tido uma viagem acidentada, culminada com uma forte pancada nas trincheiras que favoreceram as intenções da restante formação se fechar e Paulo Alves numa execução tecnicamente perfeita de toda a formação, ao bom primeiro intento.

A corrida, que contou com uma adesão de público a rondar os 85% da lotação do tauródromo, foi dirigida pelo delegado técnico tauromáquico Paulo Valente, assessorado pelo médico veterinário Dr. José Luís Cruz e pelo cornetim José Henriques, que é sempre um dos mais ovacionados e acarinhados pelo povo abiulense.

Foto: Rodrigo Viana

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