Elvas – Faltou muita matéria-prima perante tamanha vontade! Quando assim é…

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Rui Nabeiro foi um dos grandes da sua geração, um homem que enfrentou a vida sempre de cabeça erguida e com um sorriso nos lábios e que permitiu alavancar a vida de muitos portugueses por todo o território nacional. Faleceu em Março do presente ano, quando a temporada ainda aquecia os motores, causando um clima generalizado de consternação e tristeza, evidenciando-se tudo aquilo que se podia esperar num momento como aquele: um reconhecimento profundo àquele que foi um dos grandes impulsionadores do Alentejo e diria mesmo, sem qualquer hesitação, do nosso país. Este facto torna-se ainda mais claro e justificado, quando se verifica que foi agraciado com duas condecorações, quer por Mário Soares, quer por Jorge Sampaio. Em 1995 foi-lhe atribuído o grau de Comendador da ordem civil de mérito agrícola, industrial e comercial e no ano de 2006 foi distinguido como Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Palavras para quê? Um Homem, com H grande!

Hoje no Coliseu Rondão de Almeida, na fronteiriça cidade de Elvas, seu neto, Marcos Tenório Bastinhas predispôs-se a enfrentar seis toiros de distintas ganadarias, numa clara demonstração de carácter e de agradecimento por tudo o que seu avô lhe incutiu, possibilitando a todo o povo português uma bonita homenagem. É a segunda ocasião, na sua carreira que já conta com década e meia desde a sua alternativa (que foi tirada na Praça de Touros do Campo Pequeno, sendo seu padrinho, seu pai, o saudoso Joaquim Bastinhas, dando nessa altura lide ao toiro Culébron pertença da ganadaria de Maria Guiomar Cortes Moura) que se enfrenta com um curro completo.

Ao longo da sua carreira, o ginete Elvense, como qualquer pessoa no seu quotidiano, já atravessou variados momentos, uns melhores, outros piores. Sendo conhecido por ser um dos mais efusivos e entusiastas da sua geração, Marcos, independentemente dos gostos subjacentes, marcou e continuará a marcar a tauromaquia lusa. Mais ou menos puristas, todos devemos reconhecer o mérito que o cavaleiro teve e tem ao conseguir arrastar consigo pessoas que o seguem de forma calorosa, o que poucos artistas do nosso escalafón conseguem fazer. A Lei de Faraday refere que é induzida uma força eletromotriz, quando existe uma variação de fluxo magnético, num determinado hiato temporal. Pois bem, se repararem, as leis da física são verificadas com a entrada deste cavaleiro em praça visto que é gerada uma autêntica força eletromotriz que raramente não resulta, em ovações fortíssimas, com o conclave de pé.

A abrir a noite teve lugar um momento de grande simbolismo, com uma elevadíssima carga emocional, logo aquando das cortesias, ao ser colocado a imagem do Comendador Rui Nabeiro no centro da arena e a haver uma cerimónia de minuto de silêncio em sua memória, com a praça a cumprir na íntegra, ouvindo-se o toque do silêncio brilhantemente interpretado pelo cornetim destacado esta noite, Nuno Massano, tendo o momento culminado com uma fortíssima ovação.

Marcos Bastinhas decidiu dar início à sua Encerrona, dando uma lide séria e comprometida a um astado da ganadaria Canas Vigouroux. Antes de iniciar o momento da ferragem recriou-se, dobrando-se com o oponente no centro da arena, onde deixara o tricórnio em jeito de brinde a seu avô. A rês mostrou-se pouco voluntariosa e transmissiva dificultando o labor do cavaleiro que teve de porfiar para conseguir alcançar uma lide adequada ao tipo de toiro que encontrou por diante. Após um início de faena de curtos com algum desacerto, evoluiu em crescendo com o entendimento que teve, colocando em prática um toureio mais templado, ladeando e trazendo sempre que possível o astado na garupa da sua montada. Foi de muito boa nota o segundo curto numa sorte com cite de praça a praça e reunião, efetivamente cingida. Nos que se seguiram, teve o mérito de eleger os melhores terrenos, deixando um à meia volta, após sair de um momento de brega de qualidade e outro nos tércios de considerável execução.

Na segunda lide da noite teve pela frente o exemplar com ferro de Murteira Grave e que diria foi o único que permitiu uma tarefa menos árdua. Foi buscá-lo à porta dos curros com o Danone, aguentando a sua investida, dobrando-se com som e mostrando que ganhara confiança com o fim da sua atuação inicial. Os dois compridos foram de elevadíssima competência, citando de praça a praça, provocando e consentindo a investida do astado para ter um momento da cravagem de muitos quilates. Era merecida música neste momento! O toiro mostrou-se enraçado e colaborador, perdendo, no entanto, alguma da mobilidade que inicialmente demonstrara. A série de curtos com o Lexus ficou marcada por momentos de brega cadenciada, e com a cravagem de três curtos, dos quais destaco o segundo de melhor nota. Encerrou a sua atuação com um ferro de violino que não resultou em pleno dada a velocidade que imprimiu no momento da sorte e que impediu uma reunião perfeita e com um palmito de boa execução com o toiro já parado nos tércios e que levou o toureiro a ter de carregar o momento da reunião.

Para terminar a primeira parte do festejo, saiu à arena o exemplar da ganadaria Charrua, que substituira o de Veiga Teixeira, inicialmente acartelado. O toiro que denotou claros problemas de visão e que se adiantava no momento da reunião apresentou dificuldades ao cavaleiro local, refugiando-se em terrenos de dentro e que levou a um trabalho adicional para o colocar nos terrenos ideais para consumar a cravagem das bandarilhas curtas com êxito. Perante tais dificuldades, dou total mérito ao ginete pela sua capacidade de dar a volta à papeleta, “espremendo uma laranja insípida e com pouco sumo”. Uma lide que chegou pouco às bancadas mas que foi trabalhosa e, nestes momentos, nunca se deve seguir o sound bite vindo das mesmas. Por esse motivo, não sendo uma lide perfeita a nível técnico, há que parabenizar o seu profissionalismo e o bom trabalho realizado.

O quarto toiro a sair ao Coliseu de Elvas pertencia à ganadaria Passanha. Um manso perdido, que ou era muito tardo de investida, ou evitava mesmo o momento da reunião, fugindo para tábuas em algumas ocasiões. Os arreões que impunha quando via que conseguia alcançar as montadas, são apenas mais um exemplo das más condições do animal. Perante tal situação, e após deixar dois curtos de sacrifício, conseguiu num momento de génio, concretizar uma sorte de nota muito relevante, tendo que pisar os terrenos do seu oponente, para cravar de alto a baixo, em bom estilo. A lide foi encerrada com dois ferros de palmo deixados em terrenos de compromisso, onde o toiro apresentou maior querença.

Para a quinta atuação da noite, saiu ao ruedo o toiro da ganadaria Vale Sorraia, aplaudido aquando da sua saída, devido ao trapio exibido. Inicialmente muito distraído e a sair solto, foi com o avançar da sua estadia na arena que ficaram evidentes os acentuados sinais de mansidão. Para a lide de curtos, foi convidado o cavaleiro sobressaliente, nesta noite, António Prates. A dupla teve de porfiar para engendrar a melhor forma de resolver este caso bicudo. Cravaram de forma regular quatro bandarilhas curtas cada um, com destaque para as entradas no ressalto do cavaleiro titular do espetáculo. Público de pé, aplaudindo a dupla, pelo complicado labor a que foram submetidos.

Para o fim ficou reservado o astado com ferro de Francisco Romão Tenório. Mais um paradão! Nunca poderá ser motivante para um artista num curro de seis toiros, enfrentar cinco sem que existam praticamente condições de lide. Perante tamanha vontade demonstrada, foi uma noite que lhe soube certamente a pouco, não podendo na maioria dos casos colocar em prática o toureiro que lhe corre nas veias. Este oponente para além de não investir e se ter parado por completo no centro da arena, não reagia sequer ao momento da ferragem. Três curtos, seguidos de três pares de bandarilhas de boa execução, apeando-se da montada e sentido o calor do público que se deslocou a este recinto para o acarinhar.

Destacar o facto de o cavaleiro ao longo desta noite comemorativa ter usado seis casacas distintas, o que aliado às diferentes pelagens das reses é de louvar num festejo com este tipo de configuração, para que não se sinta nas bancadas a sensação de repetição constante. O resultado artístico da noite foi claramente condicionado pela qualidade das reses saídas ao coliseu, pelo que nada se pode imputar ao cavaleiro que esteve digno e compenetrado em dar a volta por cima a algo que lhe fugiu totalmente do controlo.

Nesta noite, as pegas estiveram a cargos de três grupos de forcados alentejanos: São Manços, Arronches e Académicos de Elvas.

Pela formação mais antiga em praça, São Manços, foi inicialmente eleito o forcado Manuel Trindade, que na primeira tentativa sofreu um derrote lateral que impediu qualquer hipótese de consumar no intento inicial, sacudindo o forcado da cara de forma feia. A pega foi efetivada na segunda tentativa, tendo o forcado suportado o primeiro derrote, fechando-se com garra e estando bem o grupo a ajudar. Duarte Teles avançou a passo, lento e com evidências de nervosismo, recuou bem e fechou-se com garbo, porém a fuga do astado ao grupo e um derrote lateral, impediu a efetivação desta tentativa de pega. Concretizou-se ao quarto intento com ajudas carregadas, depois de outras duas onde não se podem isentar de culpar os elementos desta formação, dado que embora as dificuldades sentidas, houve falhas quer a nível de reunião, quer de coesão entre companheiros.

Pela formação que se deslocou desde a vila de Arronches, avançou na linha da frente o forcado Rodrigo Abreu, que citou com classe, mas que não aguentou o derrote inicial, não havendo possibilidades de entrada dos restantes elementos que o acompanhavam. Consumou ao segundo intento após uma reunião onde a perfeição não foi palavra de ordem, havendo, todavia, lugar a uma enorme primeira ajuda, que o impediu de sair da cara da rês, evitando mais tentativas de pega. Muito bem a inteligência a indicar e convidar este elemento do grupo a acompanhar a volta de agradecimentos! A quinta pega da corrida esteve a cargo do forcado Luís Sarrato. Após uma primeira tentativa atribulada, em que saiu um ajuda lesionado para a enfermaria e em que não foi possível a consumação, efetivou ao segundo intento, após se fechar com qualidade e aguentar inclusive uma voltareta total do toiro (em modo pino de cabeça), sendo que a espetacularidade da sorte levou à loucura o público que preencheu cerca de três quartos fracos do recinto alentejano.

A formação local, os Académicos de Elvas, indicaram para tentar a primeira pega de caras o forcado Gonçalo Machado. O toiro ao ser colocado junto às trincheiras, investiu sobre as tábuas, caindo redondo na arena, perdendo totalmente as suas capacidades motoras. Por este motivo houve uma ordem, diga-se correctíssima por parte da direção de corrida, para a recolha imediata do animal aos curros do coliseu. Nestes momentos há que ter cabeça fria por parte dos elementos que participam numa corrida de toiros para salvaguardar que existem condições para atuar. Neste caso, não existiam. Para concretizar a última pega da noite, avançou o forcado Paulo Barradas, efetivando aquela que foi a pega da noite ao primeiríssimo intento, após aguentar uma viagem longa e intempestiva de uma rês que não se movimentou durante a lide.

A corrida foi dirigida, com muita sabedoria e acerto, pelo experiente delegado técnico tauromáquico Agostinho Borges, assessorado pelo médico veterinário José Miguel Guerra e pelo cornetim Nuno Massano.

Foto: Rodrigo Viana

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