Cartaxo – O apuramento dos eleitos

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No rescaldo de mais uma vitória daquela que é a Seleção de todos nós e que tanto nos orgulha que culminou com o apuramento para os oitavos de final do Europeu que se realiza na Alemanha, a noite foi de toiros no Cartaxo! Corrida integrada naquela que é a comemoração do 150° aniversário da edificação daquele recinto e que tão bem cuidado se encontra para receber outro tipo de espetáculo tão característico da cultura portuguesa: a Tauromaquia.

A anteceder o festejo realizou-se a habitual procissão das velas em honra de São João Baptista que antecede normalmente o inicio da corrida que aqui se realiza, nesta altura do ano. Um momento com carga emotiva e que coloca a nu, a forte ligação das gentes da Tauromaquia com as suas crenças religiosas, ao qual sucedeu um minuto de silêncio em memória de Alfredo Vicente, patriarca da casa Rouxinol e a quem se deve a existência deste nome sonante por entre as gentes da festa, recentemente falecido.

Coube a Ana Rita abrir hostilidades. Natural de Vila Franca de Xira, criada em Aveiras de Cima e com poucas oportunidades em Portugal, tem atuado maioritariamente em terras de nuestros hermanos, tendo no seu conceito de lide, muito daquilo que é o rejoneio. Recebeu o rematado Sorraia em redondo, impressionando pela qualidade exibida nesse momento, todavia a pouca fijeza do astado e o muito sentido que o mesmo denotava dificultaram o labor. Atuação esforçada e até acarinhada em demasia pelo público que compôs cerca de três quartos de lotação do tauródromo dado que houve bastantes passagens em falso e pouco cingimento nas reuniões que acabaram por manchar aquela que foi a sua primeira aparição, nesta noite ventosa. O seu melhor momento ocorreu com a cravagem do terceiro curto, aquele onde melhor nota lhe poderia ser atribuída. Após o equador do espetáculo, enfrentou-se com mais um cardeno da divisa coruchense, este com menor mobilidade que os anteriores e tardo de investida e que saía solto no momento da cravagem. Sem brilhantismos, conseguiu deixar a ferragem da ordem, sem motivar grandes reações por entre quem paga bilhete. Fechou a sua passagem pela capital do vinho com dois ferros em sorte de violino, ouvindo nesta fase a sua maior ovação. 

Salgueiro da Costa é nos dias que correm um toureiro pouco visto e cuja presença nem sempre é eleita pelas empresas dado que “leva pouca gente às praças”. O toureiro de Valada não é, efetivamente, o mais carismático nem aquele que mais mexe com o público, porém dentro daquele que é o seu estilo menos efusivo e mais técnico consegue ter atuações valorosas. Hoje foi o caso! Série de compridos com mérito, dando vantagens a um toiro com as suas teclas, construindo uma faena sólida, onde a preparação das sortes nunca foi descuidada e os momentos da cravagem resultaram de excelência, cravando ao estribo a ferragem da ordem. Toda a série foi muito positiva, vindo em crescendo em termos qualitativos, culminando com uma quinta bandarilha de excelente nota, que motivou o regojizo por entre o conclave. O quinto da ordem, que acusou maior peso na balança da praça, tinha condições de lide tendo o cavaleiro aproveitado para manter o nível. Deu vantagens, consentiu a investida do oponente para cravar uma série de bandarilhas curtas de muita qualidade, tal como se encontra descrito nos mais antigos livros que abordam a tauromaquia. Temple e classe não faltaram, chegou ao público sem obras circenses, conseguindo assim, hoje, ter uma das melhores e mais completas noites que viveu nos últimos anos.

É nos momentos de maior dor e dificuldade que se consegue analisar a fibra e capacidade de superação dos ‘homens’. A passar uma fase de luto, que não deve ser descurada e após brindar aos céus, recebeu de forma emotiva uma imponente rês, com trapio inegável e que embora tenha transportado emoção à função, acarretava dificuldades, dado que se adiantava no momento da reunião e tinha alguma crença em tábuas entre a porta dos curros e das cavalariças que exigiram uma análise e lide à sua medida. As lides nunca deverão vir estudadas de casa e o cavaleiro de Pegões, esta noite, conseguiu superar este desafio. Houve cuidado e bom gosto desde a preparação, passando pela ferragem e acabando no remate das sortes, que resultaram no seu todo, numa lide vistosa que terminou da melhor maneira possível com um ferro curto e um palmito onde não deixou os predicados do nome que consigo acarta em mãos alheias. O último toiro saído ao ruedo denotou um menor equilibrio no que toca às suas investidas, surpreendendo por diversas ocasiões o ginete. Após uma fase de compridos de menor qualidade face à análise que teve de fazer, optou por cravar uma série de curtos com acentuada batida ao pitón contrário, que quando resultam cingidos causam boas sensações a quem assiste. Atuação a decorrer em crescendo qualitativo, maturando o momento da cravagem e saindo por cima da rês que lhe tocou em sorte.

Luís, permita-me que assim o trate, hoje certamente que por entre o ‘breu que inunda o céu’ se encontra uma estrela brilhante, aquela que para si brilhará ainda mais, com muito orgulho daquilo que construiu! 

As pegas da noite estiveram a cargo dos grupos de forcados amadores de Azambuja e do Cartaxo. 

Pela formação mais antiga em praça,  que viajou do concelho vizinho, avançou na linha da frente, o forcado Paulo Carvalho. Na primeira tentativa, o momento da reunião não foi o desejado, saindo bastante mal tratado após ser pisado de forma feia. Foi dobrado por Ruben Santos, que pegou ao segundo efetivo intento, numa dura viagem com um derrote inicial bastante seco e por alto que fez levantar o público dos seus assentos. Hugo Mendes foi o forcado escolhido para realizar a terceira pega de caras da noite, conseguindo superar o desafio na primeira tentativa. A última pega do grupo esteve destinada a João Gonçalves. Na sua tentativa inicial, o toiro ensarilhou, tendo o forcado o mérito de ter reunido com qualidade, havendo falha no que diz respeito às ajudas que permitiram que o toiro fugisse ao grupo e com uma série de derrotes não permitisse a consumação. A pega a este difícil astado que chegou com muita força a este momento, foi consumada ao terceiro intento, com bastantes elementos na arena, e embora de muito mérito para o forcado da cara não encontro motivo nem considero ajustada a concessão da segunda volta ao ruedo.

Pela formação que esta noite se encontrava a “jogar em casa” foi eleito o forcado Fábio Beijinho, que consentiu uma investida solta, tendo o mérito de reunir de forma eficaz, consumando na tentativa inicial. Bernardo Sá avançou para pegar o quarto da noite, conseguindo uma reunião eficaz, aguentando uma longa viagem, dado o animal ter fugido aos restantes elementos da formação, registando-se o facto de nunca ter abandonado a córnea do astado, efetivando ao primeiro intento. A última pega da formação e da noite foi consumada à terceira tentativa pelo forcado, Tiago Fonseca. Na tentativa inicial após reunir devidamente, o grupo não conseguiu fechar, acabando por ser sacudido com um derrote seco e forte, sendo que na terceira foi a raça e o querer que permitiram suportar os derrotes que conseguiu vencer.

O curro da divisa de Vale Sorraia teve apresentação e trapio inegáveis, colaborando para que a noite fosse agradável e houvesse momentos de bom toureio e de emoção.

E assim, após um fim de tarde de apuramento futebolístico, seguiu-se uma noite em que quer Salgueiro, quer Rouxinol se apuraram para uma lista de eleitos onde as empresas do setor deverão passar os olhos, de forma a diversificar os cartéis apresentados e apostar na pluridade dos elencos montados. Com isto, não quero excluir a Ana Rita, o Manuel ou o David, apenas salientar que, esta noite, como em qualquer competição seriam estes os meus ‘convocados’ para a próxima ronda. 

A corrida foi dirigida pelo delegado técnico tauromáquico José Soares, assessorado pelo médico veterinário, Dr. José Luís Cruz.

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