Abiul – Praça cheia, a alternância de andamentos e as ‘voltinhas com base no ‘sol e dó”

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Abiul é, nos dias que correm, local de paragem para muitos aficionados, dada a importância que esta feira assumiu com o bom trabalho levado a cabo pela junta de freguesia local. Enganem-se aqueles que acham que são apenas emigrantes, embora, sem margem para dúvidas são muitos aqueles que se deslocam a este tauródromo para manter viva a tradição. A praça estava cheia! E embora a pressão do soundbite de um recinto à cunha por vezes exista, há que saber destrinçar o mérito do que é bom, daquilo que é mais do mesmo e não passa da regularidade ou, muitas vezes, da falta dela. Essa análise cabe, segundo o RET (Regulamento dos espetáculos tauromáquicos), ao delegado técnico tauromáquico, que através da utilização de lenços concede acordes de “sol e dó” ao artista (caso tenha uma prestação positiva) e voltas de agradecimentos no final de cada lide e pega. Seria benéfico, para facilitar a vida destes homens e mulheres, haver mais um lencinho de cor distinta que permitisse apenas atribuir um saludo nos médios, porque na verdade, há uma falta de noção gritante daquilo que se faz na arena, autopromovendo-se lides abaixo daquilo que é o medíocre, alargando o tempo do espetáculo sem qualquer necessidade, tornando-o maçador. Pensem comigo, quantos artistas com lides regulares são silenciados em Espanha? A resposta é simples e todos a sabem: mais que muitos! Eu bem sei que isto assim permite tapar o sol com a peneira. Quando não se quer ver e é mais fácil colocar todos, após a cravagem do primeiro ou segundo curto, a dançar à moda do “sol e dó”, está tudo dito e as voltinhas nunca falham!

Esta noite, mais uma vez, faltou critério à inteligência, faltou uma autoavaliação correta a intervenientes que não obtiveram o resultado que certamente se pretendia e faltou coragem de ficar entre barreiras ou apenas saudar quando assim se impunha. Palavra de apreço, neste sentido, para Rui Fernandes, talvez porque por tourear mais no país vizinho, teve essa hombridade, foi coerente com o seu resultado artístico e a festa só tem a ganhar com isso!

No que toca ao resultado artístico do festejo, a noite resume-se de forma simples: uma lide completa, repleta de graciosidade, elegância e ritmo de Rui Fernandes e três ferros impactantes de Francisco Palha a fechar a corrida.

O cavaleiro com maior antiguidade de alternativa teve efetivamente uma lide para recordar, frente àquele que abriu praça. O ginete da Charneca da Caparica entendeu-o e harmonizou aquela que foi a lide mais completa da noite. A classe que impõe quando pisa a arena, a forma como brega e leva o toiro na garupa da sua montada (como se de uma muleta se tratasse), os terrenos que elege e o momento da cravagem foi digno de um recital de Vivaldi, ao som de violino, onde para além dos acordes de “sol e dó” se abordam quaisquer sustenido ou bemol. Destaque para a primeira e quarta bandarilha curta como aquelas onde mais brilhou. Frente ao quarto da ordem, Rui Fernandes teve de porfiar para cumprir e cravar a ferragem da ordem. O toiro pareceu ter algum problema nas patas, situação que ocorre com frequência nesta ganadaria dado os terrenos arenosos em que pastam, na Herdade da Ervideira, em Alcácer do Sal. A direção solicitou que se aguardasse para analisar se havia algum problema com o animal, tendo concluído que seria apenas um manso perdido que não pretendia ir à luta. Por entre passagens em falso, lá se cumpriu a papeleta, numa atuação que não se recordará.

Francisco Palha teve uma noite onde a raça predominou perante a técnica. O rock sobressaiu à música clássica, havendo todavia uma guitarra baixo que por vezes desafinou. Frente ao seu primeiro, oscilou entre momentos onde os ferros resultaram, mostrando desenvoltura e cravando com eficácia, com outros onde os momentos da reunião não foram bem medidos e acabou a passar sem conseguir efetivar a ferragem. Frente ao último, o ginete teve uma lide em ascendente exponencial, atingindo-se o allegro (um andamento musical que é muitas vezes o mais lembrado das sinfonias e de concertos por ter uma movimentação musical mais sedutora) com a cravagem de três bandarilhas curtas de um valor inexcedível, consentindo a investida do manso encastado, batendo no limite e cravando de forma cingida ao estribo! Se as lides tivessem de forma contínua este engagement e não houvesse tanta quebra (consentiu um forte toque na montada aquando da cravagem do terceiro curto da série) estaríamos a falar de uma lide triunfal. Assim, não poderá passar de momentos que são destacados dos demais.

Falta falar de Manuel Telles Bastos. Procurou um andamento mais atrativo, sei que tentou de tudo para que o desfecho fosse outro, mas tanto as montadas como os toiros que lhe foram sorteados não permitiram que saltasse do adagio (andamento mais lento) para algo mais contagiante. Sorte teve em ter consigo um diretor de corrida condescendente e que lhe permitiu tudo (é problema geral da classe), havendo música e voltas que não fazem sentido quando a noite do ginete teve mais de uma dezena de passagens em falso no momento da cravagem dos ferros aos toiros que teve a incumbência de lidar. O ginete da Torrinha tem méritos? Claro que sim. Ninguém está sempre bem e ninguém permanecerá sempre mal, mas é premente ver, parar e refletir. Amanhã certamente será um dia melhor e aquele toureio purista que já o vi executar, personificando aquele que era o patriarca da família poderá reaparecer. Hoje, pelo fraco contributo das montadas ou pelas dificuldades das reses que lhe tocaram em sorte, os acordes que deveriam ter soado não soaram, já os da banda que deviam ter permanecido em silêncio… “Pum, pum, pum, sol e dó para a frente, sol e dó para trás”!

Esta noite perfilaram-se dois grupos de forcados amadores com história e arcaboiço para dar a volta tanto a ‘rolhas’, como a bravos.

Pelos que viajaram de Alcochete, em que António José Cardoso se estreava como cabo da formação, foram eleitos os forcados Pedro Dias e Afonso Capricho que consumaram na tentativa inicial e ainda João Dinis que apenas efetivou ao terceiro intento.

Pelo Aposento da Chamusca, avançaram na linha da frente Francisco Andrade e Vasco Coelho dos Reis com pegas concretizadas à segunda tentativa e o cabo João Saraiva a encerrar as pegas da noite com uma boa execução ao primeiríssimo intento.

O curro de toiros da ganadaria Fernandes de Castro, embora bem apresentado, pecou no que à bravura diz respeito. O primeiro, embora ligeiramente andarilho cumpriu, destacando-se pela negativa os restantes. Os quarto e quinto da ordem considerar-se-ão como mansos perdidos e os restantes como mansos encastados, onde haviam teclas por onde tocar, caso fossem devidamente analisados.

A corrida foi dirigida, com as falhas acima elencadas e devidamente justificadas, pelo delegado técnico tauromáquico José Soares assessorado pelo Dr. José Luís Cruz, sendo cornetim, José Henriques. Referir que foi guardado um minuto de silêncio em memória de Pedro Silva, forcado dos amadores de Coimbra, que se fardara nesta praça pela última vez.

Foto: Rodrigo Viana

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