Caldas da Rainha – Quando as ‘cavacas’ são enresinadas, a fogueira teima em não atear!

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Tarde quente e ambiente em torno da praça, uns comiam cavacas à sombra, outros bebiam imperial ao sol. Embora sem se ter percebido porquê, as portas da praça que diga-se, encheu, apenas se abriram meia hora antes do início do festejo, levando a que algumas pessoas só conseguissem sentar-se durante a primeira lide da tarde. É necessário criar condições de acessibilidade e conforto para que as pessoas, antecipadamente, consigam estar fisicamente e mentalmente aptas para assistir a um espetáculo (depois é fácil comentar que o primeiro artista a atuar, não tem o público consigo).

Depois salientar que o piso da arena caldense estava “impróprio para consumo” e que prejudicou todos os presentes. Estava pesado, estava solto e o público teve de comer uma “sandocha de pó” para tentar admirar a corrida. Mas se se pensa que só prejudicou o público, desenganem-se. É verdade que o curro da ganadaria Vinhas, embora bem apresentado, transmitiu muito pouco, ou nalguns casos, quase nada, mas foi por demais evidente os condicionamentos que o piso criara. A falta de força pode ser imputada às características do animal, na plenitude, já a mobilidade não concordo que assim seja.

No que ao capítulo equestre diz respeito, confesso que trazia algumas expetativas e não fosse ter apontado o que se passara, neste momento que vos escrevo, pouco me recordava. As ‘cavacas’ não saíram bem e a verdade é que a fogueira mal chegou a atear.

Destaque da tarde? Perante o que se passou: Marcos Bastinhas! Foi fantástico? Teve momentos que ficam na retina e poder-se-á considerar que teve uma tarde limpa, melhorando o momento que vinha a desenvolver nas suas últimas corridas. Recebeu os dois oponentes que lhe tocaram em sorte, mostrando poder e muita capacidade lidadora, o que causa logo bom impacto para quem assiste. Frente ao primeiro de seu lote após cravar dois curtos de boa nota, considerou que a fraca mobilidade da rês não daria para mais, seguindo para uma fase mais adornada onde fechou com um ferro em sorte de violino e outro de palmo. Frente ao segundo que lhe tocou em sorte, após deixar a ferragem comprida, cravou três curtas. A primeira e terceira de nota acima da que as intermediou, que resultou passada, havendo um ligeiro toque na montada, aquando do remate da última. A chama da fogueira inflamou, com a saída do artista para a cravagem do par de bandarilhas, que resultou de boa nota.

Francisco Palha impactara na noite anterior, em Abiul, através da cravagem de três curtos, onde deu primazia à investida do toiro. Nas Caldas, tentou cozinhar com o mesmo receituário, mas sendo a ‘cavaca’ de tipo diferente, as lides não tiveram, nem de perto nem de longe, o mesmo som! Frente ao seu primeiro destaque para a cravagem da primeira e terceira da série, onde as reuniões foram mais cingidas e conseguiu atear o fósforo de forma pontual, tendo tido a necessidade de “pôr gasolina” no remate das sortes para ‘sacar’ os aplausos mais fortes do público. Frente ao segundo que lhe fora sorteado, o cavaleiro ribatejano porfiou para não sair enresinado desta cidade do Oeste. O início de lide não foi consistente e a atribuição de música após a cravagem da primeira curta soou a foguete mal lançado (mas já lá iremos!). No que restou da sua presença no ruedo, destaque para dois curtos de nota considerável, entre outros onde o resultado pretendido não foi atingido.

Resta falar de Miguel Moura! Corre nos bastidores que é dos meus favoritos (talvez porque aqui ou ali o tenha elogiado). Nesta tarde, esteve medíocre e completamente abaixo das expetativas que qualquer aficionado poderia ter, não conseguindo em qualquer momento que a faísca resultante da fricção do fósforo se soltasse! Há tardes assim… O primeiro toiro que lhe tocou em sorte, foi recolhido logo após a cravagem do segundo comprido, devido a limitações físicas notórias, destacando-se ainda assim, uma muito boa execução da sorte de gaiola com que o recebeu. Voltou a repetir o brilharete no segundo de seu lote, almejando os seus melhores momentos, aquando dessas cravagens. No remanescente, pouco a salientar, para além de uma brega de qualidade que executa, que não teve tanto brilho, dada a apatia dos oponentes que enfrentou. O momento da cravagem não resultou, havendo a registar dois toques nas montadas, um contra tábuas que, felizmente não teve consequências significativas a registar. Frente ao toiro sobrero, que fora oferecido pela empresa, há muito pouco a contar, dada a nulidade de transmissão do astado que lhe tocara em sorte. A ferragem foi deixada de forma regular, terminando com um palmito deixado à meia volta (após ter consentido um forte toque, aquando da tentativa de cravagem de um outro ferro de palmo, que acabou por não ficar).

Se em termos equestres a tarde não traz recordações, no que toca às pegas de caras, houve mérito e muito profissionalismo dos elementos dos grupos de Santarém e de Caldas da Rainha na consumação de todas na tentativa inicial. Pela formação escalabitana avançaram na linha da frente, o cabo Francisco Graciosa, Salvador Ribeiro de Almeida e Joaquim Grave. No que toca ao grupo local foram eleitos: Salvador Serrano, Lourenço Palha e Joaquim Lino. Os toiros não dificultaram, não derrotaram de forma feia, tendo sim um momento da reunião mais duro e indo pelo seu caminho. Os ajudas presentes estiveram coesos e, quando assim é, só há que elogiar.

Gonçalo Alves tivera a difícil missão de dar lide ao último exemplar da tarde, num momento em que grande parte do público já se encontrava sem grande receptividade. Alguns (de forma completamente desrespeitosa para com o novilheiro) abandonaram as bancadas, outros ficaram mais a pensar no jantar que naquilo que na arena se desenrolava. Ainda assim e a destacar: elegância, humildade e capacidade evolutiva. Razoável de capote, excelente no tércio de bandarilhas, ao cravar três pares de enorme valor a um novilho que rapidamente se parou e pouca investida denotou. De muleta destaque para duas séries de derechazos, terminadas com passes de peito relevantes, numa faena que veio a menos face ao comportamento do animal, mas onde nunca se viu o Gonçalo perder o fio condutor que trazia. Por esse motivo, parabenizo-o e tenho vontade de o voltar a ver em breve! Fechou com uma série de manoletinas, antes de simular a morte da rês.

O parágrafo final da crónica costuma iniciar-se com “a corrida foi dirigida…”, mas esta tarde não considero que isso tenha existido. A delegada técnica tauromáquica Ana Pimenta sentou-se na tribuna diretiva, acompanhada do Dr. José Luís Cruz e do cornetim José Henriques. Em Abiul critiquei, hoje critico e irei criticar sempre, até que esta vergonha que assola os festejos tauromáquicos continuar! Chega de falta de critério, chega de insensibilidade, chega de desvirtuar os resultados artísticos dos intervenientes! Tenham noção! Se não sabem analisar, solicitem acessores artísticos. Roça o escândalo que seja atribuída música (que tem de ser encarada como prémio) após um artista, seja ele quem for, passar um par de vezes em falso e deixar um ‘ferro regular’. Roça a vergonha, que se faça isso com um artista e com outro que até esteve melhor, se atribua aquando da segunda bandarilha curta. Dirão: “ah, mas isso é a sua análise”. Eu que até sou delegado noutra área, agarraria numa cavaca e pintava a cara de negro, tal era a vergonha que sentiria e pior, no dia a seguir, estava a ser enxovalhado em praça pública, a nível nacional. No ‘mundillo‘ dos toiros é fácil passar despercebido quando se falha e portanto, siga a música! Quem tem poder, tem de o saber ter. Quem dirige pessoas, tem de saber liderar e não estar preocupado em agradar e ‘mandar beijinhos’ aos amigos e/ou conhecidos que estão algures nas bancadas ou até na teia. Perante o que foi observado (e sim, eu vi, ninguém me contou) afirmo convictamente que o IGAC presta um péssimo serviço a esta atividade cultural ao colocar pessoas assim, sentadas num local de profissionalismo e respeito de qualquer praça de toiros, do nosso país!

Foto: Rodrigo Viana

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