Elvas – No São Mateus e, pelo bem da festa, o fontanário nunca irá secar

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Portugal, nos dias que correm, enfrenta enormes desafios no que à escassez de água diz respeito. A região do Alentejo, devido às bruscas variações climatéricas, características do seu clima mediterrânico, é uma das que mais sofre, urgindo a necessidade de buscar toda e qualquer gotinha de água, aproveitando-a como se de uma pepita de ouro se tratasse.

À chegada a Elvas, fui à fonte de São Lourenço, uma das muitas que o município possui, beber água e encontrei um raminho verde, semelhante àqueles que se encontram bordados nas jaquetas dos moços de forcado, que esta tarde, eram alentejanos, mais precisamente de Montemor e da localidade acima nomeada e, nesse preciso momento lembrei-me que quem o perdeu tinha amores, quem o achou tinha sede.

Após ter conseguido uma gotinha de água, dessa que eu ouvi correr, desloquei-me, entre pedras e pedrinhas até ao Coliseu Comendador Rondão de Almeida, com o pensamento que mais alguma gota haveria de haver. As “fontes” que, esta tarde, as poderiam brotar são sobejamente conhecidas do grande público: João Moura, Marcos Bastinhas e Francisco Palha. Os curros, esta tarde, com a ajuda da Mãe-Natureza tiveram um gradiente térmico elevado, causando a solidificação do precioso liquido, o que levou a que os seis Canas Vigouroux, bem apresentados, saíssem pintados de branco, como se cobertos de flocos de neve estivessem. Autênticas pinturas, do mais renomeado artista, da corrente naturalista!

O mais antigo cavaleiro de alternativa, que reaparecia, após uma colhida com consequências físicas, teve por diante um astado que colaborou para que se conseguisse começar a molhar os lábios. A rês denotou classe, uma investida cadenciada e o cavaleiro de Monforte não desperdiçou a possibilidade de o levar na garupa da sua montada de curtos, conseguindo os aplausos sentidos de quem na bancada assistia. O excesso de presença de bandarilheiros na arena ao longo de toda a performance prejudicou de forma clara a atuação que começou com a cravagem de duas curtas, com cite praça a praça e que resultaram cingidas e de boa nota, terminando com o toiro a defender-se e com mobilidade reduzida, levando a que o artista deixasse dois ferros onde não foi feliz nem no momento da reunião nem no que toca à sua colocação. Após um intervalo, onde a arena foi regada de forma a evitar o desagradável pó, numa importante decisão da inteligência. As gotas que saíram a mais das largas mangueiras do recinto, não brotaram de forma tao abundante do longevo fontanário. O toiro cumpriu, embora sem denotar tanta mobilidade que o anterior do seu lote, possibilitando, ainda assim, que João Moura desse um ar da sua graça no que à brega diz respeito, agarrando-se em demasia aos seus subalternos para a preparação das sortes, destacando-se na cravagem da terceira curta da série, numa atuação sem o interesse e a emoção que se poderia esperar.

Marcos acarreta consigo nome de muito peso em Elvas. Bastinhas foi e é apelido conhecido a nível nacional. Dos curros veio um toiro, que de saída se mostrou desinteressado, que não permitiu logo tudo aquilo a que o ginete vinha predisposto, mas que após cravados os compridos da série veio a mais. Mérito profundo na análise que foi feita ao animal que tinha por diante, dado que necessitava de distâncias mais curtas e foi essa a receita que lhe foi concedida. Brega de muitos quilates, poder e conhecimento dos tempos de lide. Se, por vezes, se critica este artista pela falta de fio condutor nas atuações que desenha, mostrando uma efusividade excessiva, precocemente, hoje poder-se-iam encher uns garrafões de classe e aplaudir de pé! A ferragem foi deixada com garbo, após boa preparação das sortes, colocação efetiva e remates competentes. Não teve a necessidade de explodir para fechar a sua atuação com um bom par de bandarilhas e o público entregue ao seu bom labor. O quinto da tarde saiu ao ruedo com evidentes problemas de locomoção, sendo substituído por um toiro sobrero, de apresentação e trapio inferior aos demais e que em termos comportamentais nunca se abriu, investindo sem constância. A lide foi correta, com destaque maior para a cravagem do primeiro curto da série. Encerrou a sua temporada com um par de bandarilhas no corredor, deixando o público satisfeito.

Francisco Palha, como é do conhecimento dos aficionados, pode ser descrito como um toureiro com um conceito mais tremendista. Após uma grande atuação do seu colega de cartel, não quis entregar, e bem, o destaque da tarde de mão beijada e fez tudo para o contrariar. Recebeu com uma sorte à porta gaiola de belo efeito, seguido de um comprido de elevada nota, consentindo a intempestiva e séria investida do oponente. Aproveitando a mobilidade e o facto do toiro suportar maiores distâncias, desenhou lide importante, onde não descorou a brega e tentou sacar a investida de largo e natural do astado, o que maioritariamente conseguiu.  Destaque maior para o segundo e quarto curtos que resultaram de boa nota, havendo a registar uma passagem em falso e um ferro com reunião menos cingida que, ainda assim, não mancham, por completo, a sua primeira passagem no Coliseu. Na sua segunda aparição, o cavaleiro ribatejano enfrentou-se com um animal que embora mostrasse vontade e bom fundo, acabou por denotar algumas debilidades de locomoção, que levaram a que surgissem alguns assobios por entre o conclave que preencheu cerca de três quartos da lotação do tauródromo. Os compridos deixados foram um furo abaixo daqueles que cravou ao terceiro da ordem, iniciando a fase de curtos em falso.  Seguiram se duas bandarilhas de elevada meritocracia, cravadas ao estribo e que fizeram, justamente, a “rola cantar” o pasodoble Forcados do Sul e como ela, meus caros, ninguém canta. A sua passagem por esta cidade fronteiriça teve momentos francamente bons, intermediados por outros em que a função não resultou em pleno, o que acaba por espelhar de forma abrangente aquela que foi a sua temporada. Com uma maior consistência, cimentaria, com facilidade, uma posição de maior relevo, no escalafón nacional.

Debaixo da oliveira, não se pode namorar, havendo, ainda assim a possibilidade de treinar, a campo, elevando a capacidade de superar os toiros que surgem por diante, mesmo que a “folha miudinha” por vezes não deixe passar o ar e coloque tudo e todos em sentido. Os forcados são exemplo disso mesmo, de uma resiliência imensa, de treino constante desde o Inverno, orvalhando, chovendo ou raiando o sol, enfrentando-se com animais que tanto são agressivos, como suaves e cuja investida só a conhecem após saírem dos currais. Nesta tarde houve, maioritariamente, uma competência notável, havendo suco a retirar das pegas consumadas.

Pela formação que viajou de Montemor-o-Novo começou por ser eleito, Vasco Ponce que citou com classe, registando-se o facto dos restantes elementos terem dado vantagens. O forcado alegrou-lhe a investida, estando possante no momento da reunião.  Aguentou o derrote por alto e para a direita que o animal lhe deu, e nem o facto do toiro ter fugido ligeiramente ao grupo impediu que concretizasse ao muito bom primeiro intento. Joel Santos avançou a passo com a formação encostada às tábuas da trincheira,  mostrando conhecimento ao dar o tempo que o toiro necessitava para se recompor de uma lide exigente. Chamou-o à atenção,  carregando por duas ocasiões, para conseguir sacar uma investida reta e isenta de maldade do toiro, que permitiu a consumação eficaz, na tentativa inicial. Fechou a prestação do grupo José Maria Cortes. Verificar que este forcado é o eleito para pegar um toiro, é cada vez mais um sinal de garantia de existir eficiência na consumação. Fechou-se com uma lapa às rochas ao primeiro intento, tendo importante ajuda dos elementos que o perseguiram.

Pela formação local, o primeiro eleito fora João Restolho. Na primeira tentativa o momento da reunião não foi feliz, evidenciando-se alguma falta de decisão aquando do cite. Na tentativa que se seguiu, mostrando aquilo que lhe faltou anteriormente, conseguiu sem dificuldade a efetivação da pega de caras. Seguiu-se Paulo Maurício que na tarde da sua despedida enquanto forcado no ativo e brindando aos seus companheiros de uma vida, efetivou ao primeiro intento, consentindo e aguentando uma investida limpa, onde a maior dificuldade surgiu quando a rês executou o pino com o forcado na cara, tendo a pronta ajuda no momento que o animal poderia reagir. Luís Carvalho teve a incumbência de encerrar a tarde de toiros, indo buscar o oponente aos seus terrenos, suportando uma reunião seca e com um derrote brusco. Consumou, ainda assim, à primeira tentativa.

A corrida foi dirigida pelo delegado técnico tauromáquico, Marco Gomes,  assessorado pelo médico veterinário José Miguel Guerra e pelo cornetim Filipe Malva. Trabalho competente, havendo o cuidado de tratar da arena, evitando situações confrangedoras para quem paga bilhete, estando competente na concessão de música aos artistas. E, nesta feira de São Mateus, acabou por se dar um festejo, onde se conseguiu molhar a garganta, irrompendo gotas correntes que jamais permitirão o secar do chafariz.

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