Realizou-se na noite do último sábado de Agosto o derradeiro festejo da temporada no Coliseu Figueirense, que comemora o seu 125° aniversário e que, neste caso, foi denominado como a “II Grande Corrida de Toiros dos agricultores do Baixo Mondego”. O cartel apresentado foi variado, a apelar ao segmento mais “festivo” da nossa tauromaquia. Como sabemos o público que se desloca aos tauródromos que se encontram em zonas balneares aprecia o espetáculo de uma forma diferente e portanto os artistas devem adaptar-se a conceitos onde a efusividade é a palavra de ordem para que a corrida seja um sucesso.
Como se sabe, na vida ‘é impossível agradar a gregos e a troianos’. Se alguns publicamente me têm apontado o dedo, por provavelmente acharem que estou a ser demasiado exigente, outros elogiam e pedem que continue na linha da seriedade e da verdade, de forma a defender de forma efetiva a festa que tanto gostamos. A todos, sem excepção, o que posso dizer e garantir é que serei sempre o Rodrigo que todos conhecem e mantenho íntegros os princípios que me fizeram chegar aqui, independentemente das opiniões divergentes (positivas ou negativas) que possam surgir, sabendo, obviamente, adaptar-me aos diversos ambientes que a nossa tauromaquia possui e que a tornam tão especial, aqui e ali. Que todos se saibam enquadrar da mesma forma e ao sair de qualquer praça de toiros sintam que deram o melhor que podiam para potenciar cada vez mais a nossa festa. Eu sinto, acreditem!
Abriu funções, nesta noite, algo fria, o cavaleiro Luís Rouxinol. Tocou-lhe em sorte um astado que à saída se mostrou algo desligado, investindo de forma estranha no capote, mas que após a cravagem da ferragem comprida, investiu de forma alegre, permitindo ao veterano cavaleiro o desenvolvimento de uma brega cadenciada, ladeando de boa forma com o toiro no encalce da sua montada. Mobilidade foi atributo que não faltou ao seu oponente, havendo um claro aproveitamento desse facto para, com o Douro, desenhar uma faena que, para além de ser tecnicamente muito positiva, chegou ao público, que bateu palmas a compasso e se levantou por diversas ocasiões dos seus assentos ovacionando o artista. Fechou a sua atuação com um par de bandarilhas, cravado no corredor, e um palmito, ambos de boa nota.
Sónia Matias encarregou-se dar lide ao segundo da ordem. Um toiro burraco de capa, que exibiu trapio e criou reações por entre o conclave que preencheu cerca de 90% da lotação deste coliseu, mas que foi tardo de investida, muito provavelmente pelo facto de apresentar problemas de visão (que ficaram claros nas dificuldades criadas pelas suas investidas nos capotes dos peões de brega), dificultando o labor da cavaleira. Após ter tido dificuldade na fase de compridos, chegando a passar em falso, na fase de curtos surgiu um espírito mais guerreiro que tecnicamente perfeito (dado que as reuniões resultaram pouco cingidas e nalguns casos algo passadas). Ainda assim, a sua presença basta para animar estas gentes! Salienta-se a cravagem da terceira bandarilha curta, que resultou de boa nota, sendo a mais destacada da sua passagem por este coso. Não tendo avistado possibilidades de deixar um ferro em sorte de violino (havendo tentativas nesse sentido), deixou a pedido do público mais dois curtos nos médios desta praça, que se encontra, diga-se, muito bem cuidada.
Fechou a primeira parte do festejo a cavaleira salvaterrense, Ana Batista. Coube-lhe dar faena a uma rês, de pelagem sarda, que permitiu colocar em prática o seu conceito mais clássico e feminista, onde a graciosidade impera. Iniciou a lide com a cravagem de um comprido, à tira, de muito boa nota, dando o mote àquilo que viria a ser uma atuação muito positiva. Tudo foi feito com boas maneiras, desde a preparação ao desenho das sortes, para culminar com um momento de reunir e cravar maioritariamente cingido. Faena com princípio, meio e fim! Sem dúvida, das melhores lides que lhe vi nos últimos tempos. Enhorabuena Ana!
Não sendo o artista com estilo mais ‘Olarilolé’, para dar seguimento ao espírito de festa popular que surgiu com um bis de “Preço Certo”, de Pedro Mafama – o hit do momento nas festas das terriolas e nao só (que colocou a dançar e cantarolar grande parte dos presentes), saiu ao ruedo Manuel Telles Bastos, o mais clássico dos artistas elencados. Tocou-lhe em sorte mais um astado bem apresentado, burraco de capa, ‘reservadote’ a evoluir em crescendo ao longo da sua estadia, acudindo aos toques e permitindo ao ginete da Torrinha uma lide meritória. O terceiro dos compridos, à tira, foi de muito valor, consentindo a investida do oponente e cravando en su sítio. O primeiro e terceiro curtos da série são de excelente execução, com cite frontal e reunião cingida, cravando de alto a baixo. No restante da sua atuação nem tudo foi perfeito, ainda assim, há que referir que esteve por cima do toiro que lhe coube lidar, fechando com chave d’ouro a sua passagem pela Figueira com uma bandarilha curta que redondeou o seu labor.
Emiliano Gamero causou furor na sua saída ao ruedo aproveitando para brindar, emotivamente ao seu pai, presente nas bancadas. O quinto toiro a sair a esta praça, foi distraído e denotou trapio abaixo dos seus irmãos de camada, não facilitando o trabalho do rejoneador, procurando, inclusive, na primeira fase da sua atuação, o conforto nas tábuas do coliseu. O ginete tem montadas para brilhar, mostra um bom domínio sobre as mesmas, consegue levar o seu oponente embebido nos ladeios ao mesmo tempo que executa piruetas com bastante facilidade, o que, como sabemos, anima o povo. O que terá mesmo de corrigir de forma a que possa ser elogiado a esse nível são os momentos quer da reunião, quer da cravagem que nem sempre resultam como mandam as regras (e aqui não há questões de concepção artística). Entre algumas passagens em falso, também causadas pela pouca colaboração do astado, os curtos resultaram de abordagens tecnicamente pouco ortodoxas, com momentos, por vezes mal definidos (os ferros resultaram algo passados). Terminou com o público a ovacioná-lo, com a cravagem de dois ferros em sorte de violino, rematados com os habituais adornos. Conclusão: super educado, homem com princípios, fantástico na envolvência que consegue criar, chega ao público como ninguém mas em termos técnicos, hoje, não passa do suficiente. Aqui sim, se enquadrariam uns bons olarilolés!
Encerrou a parte equestre do festejo o cavaleiro Parreirita Cigano. Enfrentou-se com um toiro negro bragado corrido, que colaborou e permitiu uma lide positiva. Iniciou com dois ferros compridos de destacada competência, após reuniões ajustadas, o que nesta fase da lide nem sempre é fácil. Primeiro curto cravado e soam os acordes da sociedade filarmónica figueirense, que se encontra na comemoração do seu 180° aniversário. Muita qualidade neste seu ferro, enquadrou-se bem com a rês, reuniu como deve ser, e cravou bem no alto da cruz. Após um ligeiro deslize, com a passagem em falso, antes da cravagem da segunda bandarilha da série que resultou de qualidade inferior à anterior, voltou a um plano mais elevado, cumprindo muito bem e deixando boa impressão entre os presentes. Este é um dos valorosos jovens, que com uma quadra mais diversificada, seria um caso sério no panorama taurino nacional. Merece, sem margem para dúvidas, mais oportunidades e, de preferência, em cartéis de maior nomeada.
As pegas da noite estiveram entregues a três grupos de forcados amadores: Coruche, Cascais e Cartaxo.
Pela formação que se deslocou desde o concelho do Sorraia, foram indicados para tentar as respetivas pegas de caras os forcados António Pinto e Afonso Freitas. O primeiro citou desde os tércios, mostrou alguma indecisão no momento de carregar a sorte e esse facto aliado a ter escorregado no momento da reunião impediu-o de se fechar de forma ortodoxa. O restante grupo não conseguiu colmatar a falha ocorrida, consumando-se a pega, à segunda tentativa, de forma limpa. O segundo, que citara com muito mais classe do que o colega que o antecedera, mostrou-se convicto, porém um salto do animal no momento da reunião, fê-lo ficar imediatamente por terra. Esteve enorme na sua segunda e terceira tentativas, suportou derrotes de todo o tipo, duas viagens atribuladas, onde o primeiro ajuda entrou muito bem mas o restante grupo não auxiliou da melhor forma, saindo infelizmente da cara do toiro, já junto às tábuas, em ambas as ocasiões. Este rapaz merece todo o meu destaque! Foi herói nesta praça, levantando todos (até os mais coxos ou com dores nas costas) dos seus lugares numa consumação ao quarto intento, onde a rês passou todo o grupo, aguentando sozinho na cara. Parabéns Afonso! Muito mal os segundas e terceiras ajudas. Sou muito crítico no que diz respeito a voltas concedidas com esta quantidade de tentativas, mas neste caso, era imperativo que a desse juntamente com o primeira-ajuda, o que veio a suceder.
Pelos amadores de Cascais avançaram na linha da frente, Ricardo Silva, que utilizou a voz para chamar a atenção da rês, citando com muita classe e torería. Tal como mostrou no capote, o animal investiu de forma conturbada, ensarilhando antes da reunião e derrotando forte quando sentira o forcado na sua cara. Após despejar o primeira-ajuda com uma voltareta, o grupo não foi ágil a ajudar, acabando o jovem forcado por sair de forma inglória, após suportar, heroicamente, uma série de derrotes laterais, que costumam ser fatais. Na segunda tentativa e a custo conseguiu sacar uma investida extemporânea da rês, pelo que mesmo não tendo uma reunião perfeita efetivou com uma boa colaboração da restante formação e Diogo Silva que mostrou calma, fechou-se afincadamente, tendo o grupo alguma sorte com o facto do toiro não ter derrotado forte, caso contrário, por certo que neste momento estaria a referir alguma ineficiência de alguns elementos do grupo.
Tiago Fonseca foi o primeiro forcado da cara a ser eleito pela formação do Cartaxo. Pequeno de tamanho mas grande em técnica! Citou a passo, pisando cada pedaço de areia, cativando a atenção do astado, fazendo-o arrancar-se quando ainda se encontrava nos médios. Reuniu com perfeição, viajou até terrenos de dentro, momento no qual o grupo após uma ligeira hesitação e o toiro lhes ter fugido, acabou por ajudar de forma eficaz, consumando ao primeiro intento. A última pega da noite foi executada por Fábio Beijinho, numa pega limpa, ao bom primeiro intento, estando bem todos os elementos em praça.
O curro da ganadaria Higino Soveral, variado de pelagens, estava bem apresentado para a praça em questão, destacando-se pela positiva o primeiro, terceiro e sexto da ordem, a permitirem lides de muita qualidade, e pela negativa o segundo e quinto da ordem, mais reservados e menos colaborantes com os seus lidadores. O ganadeiro foi chamado a dar volta ao ruedo, após a lide do quarto (que não foi dos melhores) e sexto da noite.
Difícil mas eficaz o trabalho esta noite do par de campinos, José Manuel Dias e David Paiva a quem devemos uma palavra de apreço pela recolha das reses.
A corrida foi dirigida, com acerto, pelo delegado técnico tauromáquico Paulo Valente, assessorado pelo Dr. José Luís Cruz. Foi cornetim, Filipe Malva.
Foto: Rodrigo Viana