Faz 50 anos que a revolução marcou o início da vida democrática, em Portugal. Numa altura, onde vários direitos constitucionais parecem ameaçados por uma ditadura de gosto sem limites, é importante lembrar que muito antes de existir democracia já existiam corridas de toiros e que o nosso património cultural deverá, sempre, ser preservado e, acima de tudo, respeitado.
Nesta tarde primaveril, a Praça de Toiros de Alter do Chão abriu as suas portas para receber o tradicional festejo, que temporada após temporada se realiza nesta importante data. Um cartel marcado por quatro gerações de cavaleiros, desde o mais antigo de alternativa a lidar, atualmente em arenas nacionais, até a um dos mais recentes cavaleiros amadores, que teve a oportunidade de se apresentar em público, nestas lides. Se por vezes se apontam falhas às diversas organizações de espetáculos, quer por falta de condições dos tauródromos, quer por desleixo das empresas, hoje cabe-me dizer que a entidade organizadora do festejo está de parabéns! Praça extremamente cuidada, desde a pintura até ao mais ínfimo pormenor de decoração do tauródromo nada passou. E quando assim é, para além de assegurar o regresso dos espetadores, potencia-se o espetáculo! Lotação esgotada, e que para o ano assim seja novamente, pois merecem!
Antes do início da corrida, foi prestada uma homenagem ao médico veterinário Dr. Raúl Telles de Carvalho, figura querida por entre as gentes alentejanas.
Apresentação irrepreensível do primeiro Sorraia da tarde, cardeno escuro de capa, com córnea bem aberta e ligeiramente engravitado que causou impacto na sua saída ao ruedo, mostrando prontidão e cadência na investida, colaborando com os intervenientes, sem nunca mostrar a aspereza característica do encaste. Lide sem grande história, diria apenas cumpridora, de João Moura, que entre duas passagens em falso e uma presença excessiva dos seus peões de brega na arena, deixou duas bandarilhas de valor, no caso, a quarta e quinta da série. Frente ao segundo que perfazia o seu lote e que mostrou ir pelo seu caminho, arrancando-se por direito, mostrou qualidades e não dificultou o labor do maestro de Monforte. O cavaleiro, que já demonstra algumas limitações, fruto da idade e da forma física que apresenta, deixou a ferragem curta, tentando por quatro vezes deixar um palmo, o que apenas foi conseguido na tentativa com que encerrou a sua atuação.
Marcos Bastinhas teve a bonita atitude de chamar o amador Tomás Moura ao centro do ruedo para lhe dedicar a sua atuação. É importante a valorização pelos pares, com mais experiência, daqueles que, nos dias que correm, escolhem esta difícil e instável profissão para viver. O astado, da ganadaria titular da tarde, desde cedo mostrou não querer colaborar com o ginete de Elvas, adiantando as mãos com frequência no capote, denotando características de manso e não permitindo reunião no momento da cravagem. Lide esforçada e muito aplaudida, de onde se destaca o bom trabalho de brega com o Lexus, pecando-se apenas a passagem em falso aquando da tentativa de ferragem do primeiro curto. Fechou a sua atuação com dois ferros de palmo. A sua segunda aparição no tauródromo iniciou-se com o ginete a receber em redondo no centro do ruedo, num momento que produz sempre belo efeito. Após deixar a ferragem comprida, e citando praça a praça tentou a efetivação do primeiro curto, o que não foi conseguido dado que a sua montada escorregou ficando ao dispor do toiro que, felizmente, não o atingiu. As duas bandarilhas curtas que tentou deixar, após imponentes batidas não resultaram, visto que os ferros foram deixados a uma distância acima do expectável do seu oponente. Não sendo a atuação que esperaria optou por colocar em prática o seu estilo mais efusivo, conseguindo como é habitual criar um nível sonoro acima da média. Fechou com um violino, um palmito e o par de bandarilhas, imagem de marca da casa a que pertence. É nestes momentos que se tem de entender a diferença entre uma atuação de mérito e muito sacrifício e abnegação de uma outra onde o toureiro é inteligente e faz aquilo que motiva o aplauso fácil do conclave que preenche uma praça de touros. Claramente que, aquando da sua primeira aparição e perante um toiro que apresentou muito mais dificuldades, desenhou uma lide melhor que aquela que quase fez vir abaixo o recinto onde se realizou o festejo. Vá-se lá entender…
Completava a terna, no que a cavaleiros de alternativa diz respeito, António Telles (filho). Lidou uma rês que se mostrou reservada e que embora tivesse teclas por onde tocar, se foram reduzindo com o avançar do tempo de lide. Após deixar três compridos à tira, o ginete da Torrinha mostrou alguma dificuldade na eleição dos terrenos para a jurisdição, pecando no que toca ao cingimento na cravagem da primeira bandarilha da série, corrigindo naquela que se seguiu, com uma sorte de mérito, bem cravada ao estribo, naquele que foi o momento mais alto da sua atuação. Perante o último da tarde, António imprimiu uma atuação consistente. Teve o mérito de se aprumar na preparação das sortes, dando tempo ao animal de se revitalizar, conseguindo extrair as suas melhores investidas. Com calma, construiu uma lide de valor, claramente manchada pela terceira bandarilha que foi cravada de forma completamente passada (podia e devia ter passado em falso). Encerrou com uma rosa de boa nota, dando a primazia da investida ao muito bom oponente.
O cavaleiro amador, Tomás Moura, mostrou o arrojo de tentar receber o novilho com a cravagem de um comprido em sorte de gaiola, o que não foi conseguido dado que o momento da reunião não foi bem calculado. O astado, com ferro de Irmãos Moura Caetano, embora sem grande classe, não impedia a existência de faena. O jovem de Monforte entre alguns desacertos, naturais da sua tenra idade e curta experiência deixou duas bandarilhas de qualidade, deixando um ferro de palmo de excelente execução que deveria ter sido o momento ideal para encerrar a sua passagem pela arena alterense! Assim não quis… Terá de aprimorar essencialmente o momento da reunião que não resultou com a eficácia que, certamente, pretendia. Há bons modos, há vontade e terá de existir sempre uma alegria imensa por fazer aquilo que se gosta. Haverão sempre tardes melhores e outras piores, mas o que nunca se pode abdicar é da resiliência em tentar e voltar a tentar! Cabeça erguida, Tomás, venha a próxima!
No que ao capitulo das pegas diz respeito, pela formação montemorense avançou inicialmente Manuel Carolino que bateu as palmas de largo, o grupo concedeu distâncias, e no momento que o astado viu o forcado arrancou-se, consumando-se uma pega na tentativa inicial, com o grupo a fechar sem dificuldade. Miguel Casadinho consumou ao primeiro intento aquela que foi uma pega, que embora não tivesse sido dificultada pelo oponente que teve por diante, teve níveis técnicos a roçar a perfeição em todos os momentos que uma pega de caras deve ter. Coube a António Raimundo pegar o novilho, mostrando boas maneiras ao citar e cumprindo com aprumo à boa primeira tentativa. Fechou a atuação do grupo, Afonso Antunes com uma pega ao primeiro intento, sendo que num determinado momento ficou a dúvida se o forcado da cara não teria saído da cara do animal.
Pela formação que “jogava em casa” avançou inicialmente David Amaral. Após uma primeira tentativa onde o momento da reunião não foi o mais ortodoxo e que impediu a consumação, a pega foi consumada ao segundo intento, com a rês a investir de pronto e de largo com alegria. O forcado da cara reuniu com qualidade não tendo a melhor ajuda nem dos elementos que se encontravam consigo na arena nem de elementos, que estando entre barreiras e ao tentar ajudar, apenas desajudaram, tirando elementos que estavam efetivamente a auxiliar. Não faz qualquer sentido e apenas mancha aquela que poderia ser uma prestação melhor. Seguiu-se João Galhofas que, perante uma investida pronta da rês, teve o azar de tropeçar, quando recuava, sendo atingido na face e caindo de má forma. O espírito de forcado veio ao de cima, conseguindo consumar ao bom segundo intento. Fechou a tarde Diogo Carvão efetivando ao primeiro intento, sem problemas de maior.
António Ribeiro Telles, enquanto representante da ganadaria Vale Sorraia, e por solicitação à inteligência por parte de Marcos Bastinhas deu ‘meia’ volta ao ruedo pela qualidade do sexto da corrida. O curro estava bem apresentado, cumprindo e colaborando na maioria dos casos.
Corrida dirigida pelo delegado técnico tauromáquico Agostinho Borges, assessorado pelo médico veterinário José Guerra e pelo cornetim Ricardo Fernandes.
Ao longo das temporadas tenho vindo a assinalar a necessidade de haver mais critério no que à concessão de música e voltas, diz respeito. Não faz sentido, sejam quais forem as circunstâncias que se atribua sempre após a cravagem do primeiro ou segundo curto.
Venceu o prémio José Athayde para a melhor lide o cavaleiro António Telles (filho), sobrepondo-se ao forte sound bite instalado após a segunda lide de Marcos Bastinhas e o prémio Luís Saramago para a melhor pega, o forcado Miguel Casadinho do Grupo de Forcados Amadores de Montemor.
Foto: Rodrigo Viana