Primeiro domingo de maio, dia de todas as mães. O céu, carregado de um cinzento aborrecido, lá foi abrindo aos poucos. O almoço — um belo arroz de pato — desceu pelo esófago ainda quente demais, levado pela pressa de quem se deixa mover pelo entusiasmo de uma tarde de toiros.
Entre uns chuviscos e um raio de sol, chegámos a Vila Franca com a expectativa de assistir a um grande espetáculo. Três toureiros da nova geração, cheios de uma alegada ambição, um curro capaz de impor respeito a qualquer figura consagrada e dois grupos de forcados de renome no panorama taurino nacional. O que mais se poderia pedir? Pelo menos, que saíssemos da Palha Blanco sem arrependimentos, por termos deixado a família num dia de significado tão especial para quem ama os seus.
O que se seguiu, porém, foi uma das maiores vergonhas que já presenciei. Culpa? A minha, não terá sido. Mas, se for preciso, assumo-a. Fui eu quem acreditou em vocês. Se voltarei a confiar? Provavelmente, não. E se eu, que venero a tauromaquia como poucos, já não confio, imaginemos um mero curioso ou simpatizante que tenha comprado bilhete e saído dali desiludido. Acham mesmo que essa pessoa voltará? Temos noção do ponto a que isto chegou? Alguém considerou os milhares de euros que todo o público ali presente gastou para se deslocar? Querem mesmo que continuemos a acreditar?
Já vi vídeos, li comunicados, ouvi versões — inclusive de quem esteve lá dentro, quando covardemente deixaram o público às escuras, certamente por terem pensado que as pessoas já se teriam habituado a ‘apagões’. Mas, acima de tudo, pisei a arena. Quis pisá-la. Quis sentir o chão sob os pés, enterrar os sapatos, para poder falar com propriedade. Já organizei espetáculos deste tipo e sei bem o que são condições mínimas. Os toureiros têm todo o direito de alegar que o piso estava impraticável. Mas eu também tenho o dever de dizer que já os vi tourear em condições bem piores. Porque o fizeram então? Caiu um cavalo? Acredito. Mas foi só isso? Porque não deram a cara? Porque fugiram antes mesmo de ser anunciado o cancelamento? Com outra empresa, teriam feito o mesmo?
Com todo o respeito — e acreditem, respeito todos por igual — o público não merecia. Se era para cancelar, fizessem-no à hora do sorteio. Acham que o público vos olhará da mesma forma no futuro? Os mais próximos, talvez. Esses, cegos de paixão, nunca vos deixarão cair. Mas são esses que enchem praças? Que convencem uma empresa a apostar em vocês sozinhos numa encerrona? Infelizmente, sei a resposta.
Quanto à empresa, nem tudo correu bem. Acredito que tenham tentado criar as melhores condições possíveis, mas houve falhas que roçaram o amadorismo. Devemos desculpar por ser a estreia? Talvez. Mas isto é Vila Franca de Xira, uma das praças mais emblemáticas do país. É aceitável que às 16h15 ainda se vendessem bilhetes, quando a corrida estava marcada para as 16h00 e se previa um cancelamento? Não seria de avisar o público mais cedo? Não deviam ter aberto as portas para que se vissem algumas das situações lamentáveis que, segundo fontes fidedignas, aconteceram? Já chega de “mentideros”. Qualquer dia é melhor irmos todos passar o verão a Varadero e ver se os “verdaderos” sobrevivem por lá.
Não alimento mentiras. Para isso, já há muitos por aí que, em troca de umas imperiais, gin ou umas fotos para aparecer, vendem versões convenientes de histórias que nem presenciaram. Esse nunca será o caminho. Estamos a ver o barco afundar e quem o devia ancorar continua distraído com o próprio umbigo.
Penas? Têm as galinhas. E o pato que ficou lá, em cima da mesa, esse… já estava como a tauromaquia: depenado e pronto a ser engolido.