Por: Rodrigo Viana
Antes de iniciar a crónica deste espetáculo permitam-me:
Caro Bernardo,
Com todo o respeito que a sua pessoa me merece enquanto ser humano e empresário do ramo tauromáquico, e já que não tive a oportunidade de lhe responder olhos nos olhos, como gostaria, dado que me virou as costas, escrevo-lhe agora, por este meio, de forma pública.
Sabe porquê? Não por querer “lavar roupa suja”, como se costuma dizer, mas porque “quem não sente, não é filho de boa gente”, e eu, na vida, pauto-me pela frontalidade e por valores assentes no bem e na verdade.
Sou defensor da tauromaquia. Defendo-o a si, aos toureiros, aos forcados, aos ganadeiros. Defendo todos aqueles que fazem desta arte uma expressão nobre, quando o fazem com verdade e respeito. Mas defender não significa calar. Apontar o que está mal não é atacar: é amar com exigência. Como dizia José Saramago, “a pior cegueira é a mental”, e há silêncios que se tornam cúmplices da estagnação. Dizer que algo pode e deve melhorar é, ao contrário do que possa pensar, um ato de compromisso com a causa.
Trazia na mente algo diferente. Trazia, talvez como fundo, “O Passeio dos Prodígios”, de Jorge Palma. Trazia a vontade de fazer justiça a um espetáculo com potencial. Mas, confesso, perdi a vontade. Se não me retirei assim que me estendeu o convite, foi por respeito à festa. Mas a sua frase — “Agora já pode escrever mal de nós à vontade” — deixou-me duas possibilidades de interpretação: ou acredita, absurdamente, que vim com a intenção de o prejudicar (quando fui dos primeiros a defender a empresa na estreia, mesmo apontando melhorias), ou acredita que com essa frase me condicionaria a escrever em seu favor, apenas para provar-lhe o contrário.
Permita-me ser claro: não me conhece. Mas pode conhecer. Uma simples pesquisa revelará quem sou, o que faço, e a forma como encaro esta arte e a vida. Como disse Fernando Pessoa, “Ser grande é ser incompreendido.” E, por vezes, quem fala com verdade, paga o preço do isolamento momentâneo. Estou habituado. Lido diariamente com projetos, pessoas, sonhos, numa das maiores indústrias a nivel mundial. Uns concretizam-se, outros nem por isso. E sei que a pressão e a ansiedade, muitas vezes, toldam o discurso. Por isso, não levo a peito. Compreendo. Não justifico, mas compreendo.
Agora que o nosso “passeio dos prodígios” — esse prelúdio antes do festejo — chegou ao fim, deixo-lhe estas palavras não como retaliação, mas como espelho de consciência. Que comece o espetáculo. Será bom? Será mau? Dependerá dos intervenientes que decidiu contratar. A arte é o reflexo de quem a executa, e será isso que ficará plasmado neste escrito.
Se não concordar com o que venha a escrever, faço já aquilo que considero digno de um verdadeiro homem: peço desculpa, antecipadamente, por qualquer mal-entendido ou desconforto que possa causar. Que saiba distinguir a crítica construtiva da maledicência. Que saiba ver em cada palavra a intenção, e não apenas o som.
Desejo-lhe a maior das sortes para a temporada que se inicia, embora reconheça que não começou como, seguramente, esperava. Quanto às suas desculpas, se entender oferecê-las, saberei recebê-las. Não por mim. Não por si. Mas pela Tauromaquia Portuguesa. Porque o seu futuro depende da união dos que a amam, mesmo que às vezes o amor se manifeste em forma de exigência.
Antes do início das cortesias, cumpriu-se um minuto de silêncio, embora sem qualquer anúncio prévio quanto à sua intenção ou destinatário. A ausência de informação no sistema sonoro do tauródromo que, aliás, também não permitiu ouvir as comunicações feitas pela empresa durante o intervalo deixou no ar a necessidade de melhorias neste aspeto.
Coube a João Salgueiro da Costa abrir a tarde quente, com um exemplar da ganadaria Condessa de Sobral, negro bragado corrido, muito aplaudido à saída dos currais pelo seu imponente trapio. Nos compridos, o toiro arrancou-se de largo, permitindo ao cavaleiro deixar uma bandarilha de mérito. Salgueiro apostou em cites frontais, esperando pelo toiro, que nem sempre colaborou. A atuação terminou sem o impacto desejado, ficando a sensação de que ainda havia mais por dar.
Na sua segunda atuação, enfrentou um toiro da ganadaria Canas Vigouroux, de menor apresentação e escassa transmissão, o que se refletiu numa lide algo insípida e desligada. A ausência de música evidenciou a falta de sintonia nesta atuação
Já o exemplar de Sommer D’Andrade impunha respeito pelo seu tipo e conformação de córnea, sendo justamente aplaudido. Demonstrou nobreza e qualidade, merecendo volta à arena, bem como ser destacado com os prémios de bravura e apresentação, em concurso. O cavaleiro aproveitou essas condições e protagonizou a sua melhor atuação na Palha Blanco. A concessão de música, contudo, pecou por tardia. A preparação para a terceira curta foi, aliás, um verdadeiro hino à arte de colocar o toiro para a sorte!
Do outro lado do mano-a-mano, Tristão Ribeiro Telles Queiroz surgiu com vontade de marcar posição. Abriu com um toiro da divisa Fernandes Castro, ensabanado e com excesso de peso, mas com muita vontade e mobilidade, um toiro colaborante. A lide iniciou-se com uma sorte gaiola, tendo o ginete controlado do início ao fim. O primeiro ferro curto foi de grande valor, apesar de os dois seguintes não terem resultado tão ajustados, com o último a cair na arena. Ainda assim, o jovem cavaleiro bregou com qualidade, mostrando entrega e aproveitando a oportunidade. Terminou com um ferro impactante, num momento bem enquadrado e executado com batida ao pitón contrário.
Após o intervalo, Tristão voltou a apostar numa sorte gaiola, que apesar de arrojada, resultou descaída. O toiro de Vale Sorraia, cardeno escuro, mostrou mobilidade e codícia, arrancando-se com prontidão. A série de curtos foi meritória, destacando-se o terceiro e o quinto pela emoção e entrega do binómio. Foi justamente ovacionado.
Encerrou com um toiro de Assunção Coimbra, flavo de capa, que nunca chegou a romper. O terceiro intento consecutivo de sorte gaiola não teve sucesso na cravagem. A série de curtos revelou-se a menos conseguida da sua tarde, embora Tristão tenha continuado a contar com o apoio do público.
No que aos forcados diz respeito, representando o grupo de Montemor, adiantou-se José Maria Cortes Pena Monteiro que citou de largo sendo o momento da reunião perfeito. No entanto, as ajudas não fecharam como habitual, permitindo ao toiro escapar. A pega foi consumada à primeira graças à convicção do forcado. Joel Santos tentou a terceira pega. O toiro avançou a passo, sem clareza na investida, adiantando o pitón esquerdo. A reunião não se concretizou na primeira tentativa. A segunda trouxe mais convicção, mas as dificuldades persistiram. Só à terceira, com ajudas mais carregadas, se consumou a sorte.
Vasco Ponce, com poder e entrega, citou com nobreza e executou com mérito à primeira muito boa tentativa.
Vasco Pereira, cabo do grupo local, deu o exemplo com valentia, enfrentando o mais pesado do concurso (705kg). A primeira tentativa parecia conseguida, mas o toiro derrotou com violência. A segunda tentativa foi estoica, com enorme mérito do forcado da cara e do primeiro ajuda.
Miguel Faria surpreendeu pelo estilo mais inusitado e popular, concretizando com garbo à primeira tentativa. Fechou a tarde,
Lucas Gonçalves, com chave de ouro: pega irrepreensível do inicio ao fim, ao primeiro intento.
A corrida foi dirigida pelo delegado técnico tauromáquico Rúben Fragoso, assessorado pelo Dr. Jorge Moreira da Silva e pelo cornetim José Henriques, numa corrida cuja lotação rondou o terço forte de casa.
Foto: Rodrigo Viana