Há coisas que não se dizem, mas sentem-se. E outras que se dizem… tarde demais.
Na última noite de toiros no Campo Pequeno, um nome fez estremecer mais pela atitude do que pela actuação. Marcos Bastinhas, figura de sangue, herdeiro de dinastia, rompeu o compasso da festa com um gesto que muitos, e com razão, não entenderam. Eu também não entendi. E critiquei. Disse o que achava, como sempre faço, de frente, como se deve fazer. Porque os artistas, como os toureiros, têm o dever de se manter inteiros mesmo quando tudo dentro deles está em estilhaços.
Mas o tempo, que é como um touro difícil, ora humilha, ora levanta a cara e trouxe à “arena” uma revelação que muda a lide.
Soube-se depois que Marcos Bastinhas sofre de uma depressão. E aqui, meus senhores, o assunto muda de praça.
Não, não venho branquear comportamentos nem justificar o injustificável. Quem pisa uma arena, seja ela de areia ou de vida, tem responsabilidades. Mas também tem limites. E se o corpo obedece à vontade, a mente, por vezes, trai. O que parece desrespeito pode ser dor. O que julgamos arrogância pode ser apenas um grito calado.
Não retiro uma vírgula ao que disse, porque foi o que vi, o que senti e o que, no momento, me pareceu justo. Mas hoje, com o pano já caído, talvez fosse mais justo ter visto mais fundo. Porque a fragilidade não se nota nas bandarilhas. Nota-se nos silêncios, nas ausências, nos gestos que destoam, como se o toureiro estivesse, afinal, a tourear dentro de si próprio um inimigo mais negro que qualquer toiro de Victorino.
Marcos Bastinhas errou. Mas não está bem. E isso muda tudo. Talvez devêssemos aprender a separar o homem do momento. E, quem sabe, aprender a escutar o que não foi dito. Porque até os mais bravos precisam, às vezes, de um tempo fora da arena.
Ao Marcos, que cure a alma com a mesma coragem com que tantas vezes enfrentou o toiro. E quando voltar, que venha inteiro. Porque o toureio precisa dele e nós também.
Texto: Rodrigo Viana